Uma série de artigos no jornal The Times de Londres nos últimos dias revelou que mulheres britânicas sobreviventes de casamentos forçados no exterior resgatadas com a ajuda do Departamento do Exterior têm de ressarcir o governo pelo resgate com taxas de cerca de US$ 1.000 (R$ 3.750). Se em seis meses não conseguirem juntar o valor, uma multa de 10% é acrescentada.
As revelações provocaram indignação no Parlamento e levou o secretário do Exterior, Jeremy Hunt, prometer que vai solicitar novos conselhos sobre essa política. “É claro que devemos agir sempre com compaixão e humanidade em cada situação, mas eu quero chegar ao fundo desta questão em particular.”
De acordo com dados do governo sob as Leis de Liberdade da Informação obtidos pelo Times de Londres, 27 sobreviventes de casamentos forçados em 2017 e 55 em 2016 foram trazidas de volta com ajuda Departamento do Exterior. Paquistão é o país com maior número de casos e nem todas as mulheres precisaram de empréstimos do governo para voltar ao Reino Unido.
A professora de criminologia na Universidade de Roehampton, Aisha Gill, que escreveu extensamente sobre o casamento forçado, disse que os empréstimos punitivos minam o trabalho do governo britânico para ajudar a resgatar sobreviventes. “Na minha opinião, a proteção não deveria ter um preço. Elas não deveriam ser punidas por buscarem a proteção do consulado.” Ela disse que o fato de tal política existir revela a tendência das pessoas a minimizar a coerção e o abuso que são elementos centrais nos casamentos forçados.
Aisha ressaltou que o governo intervém em prol das pessoas que estão presas no exterior sem pedir pagamento. E destacou que o fato de que muitas sobreviventes de casamentos forçados serem imigrantes, ou serem de famílias que imigraram recentemente parece torná-las menos simpáticas ao olhar do público.
De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo, a política de repagamento do governo britânico é uma extensão de sua abordagem aos turistas britânicos ou outros cidadãos que enfrentam problemas no exterior e precisam de ajuda para retornar ao Reino Unido. Pessoas com 18 anos ou mais têm de reembolsar o governo.
Alison Gardner, professora-assistente de sociologia que estuda a escravidão moderna na Universidade de Nottingham disse que assim como o governo não cobraria uma vítima de crime por investigar esse crime, não deveria cobrar das mulheres por trazê-las de volta ao país. Ela destacou que uma dívida de US$ 1.000 (R$ 3.750) pode ser devastadora para uma jovem cuja família tentou obrigá-la a se casar e pode deserdá-la se ela escapar. “É um exemplo dessa política geral de impor os custos a pessoas que sofreram infortúnio, o que conduz a um ciclo de vulnerabilidade crescente”, completa.
Uma porta-voz do Departamento do Exterior falou em um comunicado: “Reconhecemos que um empréstimo de emergência pode ajudar a retirar uma pessoa em dificuldades ou vulnerável do risco quando ela não tem outra opção, mas como são verbas públicas temos a obrigação de recuperar o dinheiro no devido tempo”. Ela disse que o governo também dá dinheiro a casas de abrigo e outras organizações que não cobram de britânicas sobreviventes de casamento forçado para ajudá-las a encontrar um local seguro.
*Com informações do Jornal Folha de S.Paulo