Em Brasília
01/12/201608h47
• “O Estado deve permitir que cada um viva a própria crença”, considera o ministro Barroso
Um dia depois de a 1.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) entender que não é crime a interrupção da gravidez até o terceiro mês de gestação, o ministro Luís Roberto Barroso disse em entrevista que o colegiado não defendeu o aborto nem sua disseminação.
“É uma decisão para que se adotem políticas públicas melhores do que a criminalização para evitar o aborto”, comentou. O entendimento valeu apenas para um caso específico – de funcionários e médicos de uma clínica de aborto em Duque de Caxias (RJ) -, mas pode servir como base para outras instâncias.
O Estado não deve tomar partido nessa briga. Ele deve permitir que cada um viva a própria crença.”
Na sua avaliação, a 1.ª Turma tomou uma decisão histórica?
Barroso – É uma decisão importante para deflagrar um debate que já não deveria mais ser adiado. Em uma democracia, nenhum tema é tabu. A decisão não defende o aborto nem propõe a disseminação do aborto. É uma decisão para que se adotem políticas públicas melhores do que a criminalização para evitar o aborto. O que a decisão pretende fazer é contribuir para o fim dos abortos clandestinos, que mutilam e levam à morte muitas mulheres.
Mutilam mulheres pobres, como o senhor destacou no voto…
Há duas questões importantes: uma, a questão da mulher em si, da condição feminina e da sua liberdade de viver as escolhas existenciais.
Além disso, a criminalização produz um impacto desastrosamente desproporcional sobre as mulheres pobres, porque elas não têm acesso à medicação adequada nem à informação. Portanto, a criminalização funciona no Brasil como mais um mecanismo de discriminação social.”
Como o senhor vê a criação de uma comissão especial na Câmara para analisar o aborto, que foi anunciada depois da decisão da 1ª Turma?
Eu acho perfeitamente legítima (a criação). Não acho que qualquer pessoa seja a dona da verdade. Vejo sem nenhuma reserva o debate público a ser feito no Congresso Nacional, lá é o lugar para o debate público das questões nacionais por excelência.
Com a decisão da 1.ª Turma, o STF se coloca mais aberto e sensível a temas delicados, mesmo diante de uma suposta onda conservadora no País?
Os direitos fundamentais devem ser protegidos nos ambientes conservadores, liberais, progressistas. Obrigar pela via do direito penal uma mulher a manter uma gestação que não deseja, eu acho que isso viola claramente a Constituição. A decisão procura fazer com que cada pessoa possa viver a própria crença e convicção. Quem é contrário não apenas não precisa fazer (o aborto), como tem todo o direito de pregar a posição contrária. A única coisa que acho que não é razoável é criminalizar a posição divergente. Portanto, o Estado não deve tomar partido nessa briga. Ele deve permitir que cada um viva a própria crença.
O senhor também mencionou no seu voto o contexto internacional, observando que em muitos países democráticos e desenvolvidos o aborto até o terceiro mês é permitido. Esse novo entendimento da 1.ª Turma insere o Brasil em uma legislação mais atualizada?
Acho que sim. Nessa matéria estávamos em falta de sintonia com o mundo. Ter janelas para o mundo é sempre bom. A gente na vida deve ser janela, e não espelho. Olhando para o mundo, nós vamos ver experiências bem-sucedidas que não são as da criminalização.
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