Imagine que você seja dono de uma fábrica que, atropelada pela retração do mercado, deve muito dinheiro, cada vez mais. Ou, sem levar o exercício muito distante da realidade, seja uma dona de casa que vê os preços subirem, o marido perder o emprego e as contas atrasarem.
Em ambos os caso, aumentaria ainda mais seus gastos, daria reajuste aos salários de seus empregados, eles próprios temerosos de cair na rua da amargura do desemprego? Sem dúvida, a resposta seria “não”. Exceto se você for o governo brasileiro.
Num contrassenso, e em flagrante conflito com a profilaxia necessária para remediar uma economia em sérios apuros como a brasileira, os aumentos salariais continuam sendo concedidos ao funcionalismo público. Qual a razão desta insistência?
É justo valorizar, sempre, os servidores públicos, mas desde que isso não signifique sacrificar todo o resto da sociedade, como se passa agora. Não é razoável o argumento empregado pelo governo e seus porta-vozes segundo o qual os aumentos já estão considerados nas despesas futuras.
Se estivéssemos esbanjando dinheiro, vá lá. Mas fato é que já estamos vindo de dois anos de déficits e temos, pelo menos, este e o próximo também no vermelho, perfazendo rombo acumulado de, no mínimo, R$ 440 bilhões em quatro anos.
Nesta casa de enforcado, fala-se num rolo de corda de reajustes já aprovados e sancionados que custarão R$ 68 bilhões. Pior, cogita-se apertar um pouco mais o nó ao redor do pescoço com outros aumentos salariais em tramitação no Congresso que podem vir a custar mais R$ 12 bilhões aos cofres públicos.
Um deles é o reajuste de 67% para a carreira da Defensoria Pública da União, aprovado ontem na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Mas a cereja do bolo pode ser a concessão de aumento de quase 17% para os vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que geraria uma avalanche de reajustes carreiras abaixo e Brasil afora (em estados e municípios já alquebrados) de R$ 4,5 bilhões, no mínimo.
Sem estas novas bondades, a Consultoria de Orçamento do Senado já vê aumento de 9% nos gastos da União com pessoal no ano que vem. Ou seja, acima dos 7,3% previstos para a inflação e que, se a PEC do teto já estivesse em vigor, seriam o limite para a variação das despesas do governo. Se assim for, outras áreas terão de pagar a conta, encolhendo ainda mais, como é o caso dos investimentos públicos.
A questão que fica é: que sentido há em honrar papagaios legados pela gestão moribunda do PT, cujas decisões se moviam sem qualquer compromisso com as necessidades do país ou com a integridade das contas públicas, ou melhor, com a boa aplicação do dinheiro suado pago pelos brasileiros ao governo?
É estranho, para dizer o mínimo, que num dia o presidente em exercício diga com todas as letras que não vai mais avalizar aumentos de salários para o funcionalismo e, no outro, parte de sua base partidária no Congresso aja em direção contrária. O país não precisa de um governo que queira só ficar bem na fita. Precisa de um governo que faça as mudanças e as reformas necessárias, que a toda população – e não apenas algumas poderosas corporações – cobra.