O script é o mesmo. O agressor, seus advogados e parte da mídia transformam rapidamente a vítima em algoz. O homem bate, espanca, mata e os defensores legais do acusado – e as vezes até a própria família – começam a denegrir impiedosamente a imagem da mulher agredida.
O roteiro se repete. Versões de mau comportamento, vida desregrada e supostas provocações públicas são usadas como justificativas para a agredir à vítima ou, até, o assassinato da esposa, ex-esposa, namorada, ex-namorada. Vale tudo.
Nos últimos meses, o Brasil assistiu a três casos que seguiram esse mesmo roteiro nefasto, envolvendo uma jovem da periferia carioca, uma ex-modelo e agora uma jornalista que trabalhava com um parlamentar.
Em comum, o mesmo perverso roteiro: as três foram estupradas e/ou agredidas ou sofreram assédio sexual de alguém hierarquicamente superior. Os três casos mobilizaram a mídia, a sociedade e provocaram discussões sobre como a mulher brasileira ainda está desprotegida e sofre todo tipo de preconceito e desconfiança.
Na a cobertura midiática, as três mulheres tiveram suas imagens “desconstruídas” com argumentos de defesa inaceitáveis.
A jovem negra e pobre, moradora do Morro do Barão, usava “saias curtas”, drogas e participava regularmente de “festinhas”, como se qualquer um desses “argumentos” ou “motivos” justificasse o estupro coletivo que sofreu, por quatro ou trinta pessoas – o número exato só torna o crime mais cruel, mas até essa informação foi questionada e usada contra ela.
A ex-modelo foi agredida em sua casa, fugiu, registrou queixa na polícia e menos de uma semana depois o agressor e seus advogados passaram informações para a mídia que ele “se defendeu” das contínuas agressões que sofria… que, aliás, nunca registrou queixa.
Uma estudante de jornalismo também passou de vítima a ré. De acusadora a acusada. Suas conversas privadas e fotos íntimas foram expostas sem qualquer cerimônia ou pudor. Vale tudo para rebater a acusação de assédio sexual.
Não nos cabe entrar no mérito de cada um destes casos e a não citação dos nomes é para exemplificar que a privacidade e as razões sejam preservadas e discutidas apenas no âmbito legal, no Judiciário.
O que não podemos deixar de registrar é que esse script, esse roteiro, se repete de maneira comum, em que a vítima passa a ser algoz de quem a agrediu, espancou ou matou. E isso nós não aceitamos mais!
*Solange Jurema é presidente do Secretariado Nacional da Mulher/PSDB