A imposição de um teto para os gastos públicos é um primeiro, ainda que insuficiente, passo para redesenhar o Estado brasileiro. É iniciativa imperiosa para que o país retome alguma normalidade, para que o governo obedeça a um mínimo de racionalidade e o horizonte da nação se desanuvie, mesmo que timidamente.
A proposta de emenda constitucional (PEC) apresentada ontem cria um novo regime fiscal no país, com vigência pelos próximos 20 anos. No décimo ano, abre-se possibilidade de revisão da regra. Aprovado o novo sistema pelo Congresso, a partir de 2017 as despesas ficarão congeladas: acompanharão o valor pago neste ano corrigido pela inflação, e assim sucessivamente, ano a ano.
O que se pretende é que os gastos públicos apenas retornem ao nível histórico de até recentemente, ou seja, em torno de 16,5% do PIB, quando Dilma e o PT resolveram mandar tudo, principalmente as despesas, para o espaço. Hoje, o governo central torra cerca de 19% do PIB, evidente exagero numa economia em que as receitas caem sem parar e o PIB despenca por dois ou até três anos.
É evidente que o teto em si não será capaz de trazer as contas do país de volta à sobriedade perdida. Será necessário ajustar muito mais os gastos, reformar estruturas, rever regras e redefinir o Estado que queremos e podemos bancar. O Brasil terá de se defrontar com seu futuro, coisa de que os governos petistas simplesmente prescindiram.
Na realidade, o que aconteceu nos últimos anos foi a escalada da insanidade. Desde 2008 até 2015, as despesas do governo federal cresceram 51% acima da inflação, enquanto as receitas tiveram alta real de 14%. Com isso, a dívida bruta do setor público explodiu, passando de R$ 1,7 trilhão para R$ 3,9 trilhões. Ao mesmo tempo, o gasto com juros aumentou de R$ 165 bilhões para R$ 502 bilhões, segundo números apresentados pelo Ministério da Fazenda.
O teto é um primeiro passo, mas insuficiente, por uma razão matemática. Por causa de vinculações e outras obrigações constitucionais, 63% da despesa do governo central ainda pode escapar do limite imposto pela PEC. Em parte, porque 16% ficarão isentas do teto; em parte, porque outros 47% estão atados por alguma amarra prevista na Constituição, conforme esmiúça Felipe Salto n’O Estado de S. Paulo.
O novo regime terá, contudo, o condão de forçar o país, ou seja, a sociedade brasileira, a fazer escolhas. Se elas se derem de modo equilibrado e racional – talvez seja demais esperar isso do Congresso atual, mas vá lá… – os gastos mais essenciais serão preservados e a tesoura vai calar fundo é nas excrescências orçamentárias, nas despesas abusivas, principalmente as urdidas nos últimos tempos.
É o caso, por exemplo, de enfiar a faca com força em subsídios e isenções fiscais concedidos a granel desde Lula para cevar empresas amigas, as mesmas que protagonizam todos os escândalos das inúmeras operações deflagradas pela Justiça e pela Polícia Federal nos últimos meses – Lava Jato, Zelotes, Acrônimo etc.
É o caso também de promover reformas que garantam a sustentabilidade do nosso sistema de previdência social, que, tal como está, simplesmente não subsistirá. E ainda de promover um amplo programa de privatizações e concessões que alavanquem os investimentos e evitem que o país continue a ser um imenso cemitério de obras inacabadas – até porque o dinheiro que atualmente sobra para obras no Orçamento da União já é ínfimo, correspondendo a apenas 4% das despesas do governo central.
Todo o esforço deve ser feito, e um compromisso deve ser firmado, para que os gastos que afetam a população mais vulnerável não sejam comprometidos. Neste sentido, especial atenção deve ser reservada à saúde e, em particular, à educação, sem a melhoria da qual o Brasil continuará patinando no submundo. E, por fim, não há chance de hipotecar apoio a qualquer iniciativa que resulte em aumento da carga de tributos já cobrada em excesso dos brasileiros.