As notícias ruins sobre o setor petrolífero no Brasil não tem se resumido à corrupção na Petrobras. No início do mês de outubro de 2015, foi realizada a 13ª rodada de áreas para exploração de petróleo no país, com apenas 37 vendidas das 266 leiloadas. Em crise e com dificuldades para arcar com compromissos financeiros já firmados, a Petrobras não participou. A rodada também foi marcada pela ausência de outras grandes empresas petroleiras globais. Vale ressaltar que na 13° rodada os campos ofertados são de baixa atratividade, situados no que a ANP chama de “Novas Fronteiras”, sendo 95% em terra (on shore) e apenas 5% em águas profundas (off shore).
Resultados como esses se relacionam com todo um fraco desempenho econômico de atividades relacionadas. O Brasil não tem capitalizado como nas expectativas de outrora os ganhos de riquezas que, literalmente, foram dadas tão somente pela natureza. Ainda, a falta da Petrobras merece atenção central. As decisões políticas nos últimos 7 anos foram decisivas para a crise que agora a acomete.
O fraco desempenho do setor como um todo, em especial da Petrobras, e a compreensão das políticas envolvidas podem ser melhor entendidas quando postas em perspectiva histórica, a começar do processo de flexibilização do monopólio em meados da década de 1990.
Encerrava-se então o período no qual a Petrobras detinha monopólio das atividades, flexibilizado com a Emenda Constitucional nº 9. A União manteria, em termos jurídicos, o monopólio, porém com a possibilidade de contratar empresas para atividades antes desempenhadas apenas pela Petrobras.
Em 1997 foi instituído pela lei 9.478 o regime de concessão. Este regime concede às empresas nacionais e/ou estrangeiras o direito de explorar, petróleo e gás natural no país. A empresa concessionária é obrigada a pagar participações governamentais.
Como: pagamento do bônus de assinatura, royalties e participação especial. O bônus de assinatura é um valor pago pela empresa concessionária vencedora da licitação para poder explorar determinado campo. O valor desse bônus é definido no leilão. Os royalties são uma espécie de imposto pago sobre o faturamento total. Hoje, todos os campos de exploração pagam, em média, 10% de royalties. Já a participação especial (regulamentada pelo decreto n° 2.705 de 1998) é cobrada somente em campos com alta produtividade. Vale ressaltar que com esse regime aumentou a participação acionária de investidores privados na Petrobras, principalmente por intermédio da compra de ações no mercado de capitais – bolsa de valores.
É interessante e imprescindível destacar que o projeto de concessão não se trata de, como tratam alguns comentaristas petistas de internet, “entreguista” ou ultraliberal economicamente. A intervenção – necessária – do Estado não se fazia presente apenas na arrecadação de bônus e preços públicos. Adequando os meios aos fins, o estímulo à cadeia produtiva nacional se fez presente com a indução ao incremento dos índices mínimos de conteúdo local de bens e serviços, a serem observados em licitações e contratos de concessão. Canalizavam-se os esforços privados às finalidades públicas, sem inibir investimentos, no pleno cumprimento da missão regulatória.
Em meados de 2005 foi descoberto na Bacia de Santos um novo campo de petróleo. Esta descoberta foi considerada como o nascimento do pré-sal. Segundo o autor Bustamante (2015), o potencial de produção de petróleo e gás natural advindos desta descoberta é superior a qualquer outra já realizada no Brasil. A partir daí se iniciou uma “campanha” para que fosse mudado o marco legal do setor de petróleo no país.
Em 2009, o poder executivo enviou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5.938/2009, que “dispõe sobre a exploração e a produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos sob o regime de partilha de produção, em áreas do pré-sal e em áreas estratégicas (…)”. Esta iniciativa do Executivo visava alterar o então modelo de concessão, para partilha, aprovado no ano seguinte pela Lei n° 12.351/2010.
O regime de partilha visa aumentar o controle estatal sobre a produção do pré-sal. Em outras palavras diz respeito ao valor que o Estado tem direito após a produção realizada. Este regime também prevê a cobrança de royalties e de bônus de assinatura. Uma das diferenças entre os dois regimes é que na partilha, mesmo a empresa concessionária tendo extraído petróleo, ele ainda é de propriedade da União. Hoje, o modelo de Leilões para a exploração do pré-sal é o de partilha.
Vale ressaltar um trecho de consultoria legislativa produzida por Bustamante (2015):
“A principal diferenciação entre os regimes de partilha de produção e de concessão ocorre na forma de participação governamental na renda petrolífera. Enquanto nesse último regime, o concessionário é proprietário de todo o produto da lavra, e a participação governamental é devida apenas em moeda, ou seja, trata-se de uma compensação financeira; no regime de partilha de produção, pelo menos parte da participação governamental é na forma de petróleo, daí sua denominação.”¹
O regime de partilha também se diferencia do regime do marco legal de 1997 em outros aspectos. A Petrobras foi definida como operadora obrigatória – o leilão acaba por ser referente às parcelas de participação nos consórcios, uma vez que a operadora já é definida por lei. É também estabelecido que a estatal terá participação mínima definida, nos consórcios, em 30%, podendo ser maior, conforme decisão do Conselho Nacional de Politica Energética.
Além disso, criou-se a Pré-Sal Petróleo S.A – PPSA, empresa pública com finalidade de representar a União nos contratos de partilha. Ela participa das decisões do consórcio com 50% dos votos em seu principal órgão deliberativo, e, também, detêm o voto de minerva e poder de veto nas decisões.
Considerando resultados obtidos nas licitações anteriores no regime de concessão, o regime de partilha de produção não trouxe vantagens significativas em relação ao de concessão, inclusive no que diz respeito à̀ parcela da renda petrolífera obtida pelo Estado.
O modelo de partilha não gerou um ambiente competitivo. O leilão de Libra, jazida petrolífera tida como a mais atrativa a investimentos, contou apenas com um único lance. No leilão, um único consórcio apresentou proposta, com a oferta mínima estipulada no edital: 41,65% de óleo excedente para a União. O consórcio foi formado pela Petrobras (40%), pela anglo-holandesa Shell (20%), pela francesa Total (20%) e pelas chinesas CNOOC (10%) e CNPC (10%). Com leilões sendo vencidos pelo lance mínimo, a realização do interesse público se mostra seriamente comprometida.
Ao mesmo tempo, a obrigatoriedade da operação ser realizada unicamente pela Petrobras tem dificultado o cumprimento dos compromissos assumidos pela empresa, colocando-a numa crise sem precedentes. Pior: a falta de competição no setor a retira da vanguarda da inovação tecnológica.
O governo brasileiro cometeu erros estratégicos severos. Para piorar, setores da opinião pública se mostram refratários a qualquer solução. Qualquer medida que vise corrigir as distorções do modelo de partilha tem sido chamada de “entreguistas” ou “neoliberais”, atacadas por políticos do PT, PCdoB e PSOL e até mesmo por uma federação sindical aparelhada por petistas, a Federação Única dos Petroleiros.
A Petrobras nasceu da luta contra a abordagem política, à época, rotulada como “entreguista” – sem a atenção devida a um projeto de integração e desenvolvimento da cadeia produtiva e tecnológica do setor petrolífero. Ela, inclusive, foi importante para a implantação dos cursos de geologia no país. Hoje a vemos ser destruída pela corrupção e por decisões políticas ruins daqueles que outrora gritavam “o petróleo é nosso!” e ainda tem a audácia de se auto rotularem nacionalistas. ¹BUSTAMANTE, L. A. C. A Frustração com a Partilha de Produção: o leilão do campo de Libra. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/ Senado, Fevereiro/2015 (Texto para Discussão nº 168). Disponível em: www.senado.leg.br/estudos. Acesso em 23 fev. 2015.
*Rayssa Moura é cientista política e secretária de Formação Política da JPSDB-DF
*Pedro Saad é estudante de Direito da UNB, membro do Grupo de Estudos em Direito dos Recursos Naturais e Sustentabilidade, membro/fundador da União Democrática Acadêmica – UDA e membro da JPSDB – DF