Quando o Grande Exército entrou em Smolensk, em agosto de 1812, qual não foi a surpresa de Napoleão Bonaparte ao encontrar a cidade esvaziada e incendiada pelas próprias tropas russas. A ordem, que acabou virando método, partiu do marechal Kutuzov, velho teimoso e rabugento, que zombava de seus estrategistas e adormecia nas conferências de instrução na véspera da batalha.
Parece que o espírito de Kutuzov baixou no Planalto. Talvez já ciente de que ficou insustentável segurar sua cidadela política, Dilma resolveu atirar o país ao abismo. O ato sugere a política de terra-arrasada. Essa é a única explicação plausível para uma proposta de orçamento já parida deficitária — justo em meio a um ajuste fiado na promessa de austeridade e de restauração da credibilidade.
Trocando em miúdos, o governo já sabe que o dinheiro não vai dar, mas mesmo assim assinou o cheque. Para quem estava até ontem de joelhos diante das agências de risco, prometendo tomar jeito, a medida soa como capitulação. Já que não pode vencer, Dilma ajuda a acabar de destruir. A disparada do dólar e a volatilidade dos mercados em relação ao Brasil falam por si.
O desmonte da estrutura que servia de contenção para o descrédito geral tem sido feito aos olhos de todos. Levy, antes o rosto capaz de tranquilizar os mercados, sofre seguidas humilhações públicas. O PMDB, que insistiu com Dilma por mais tempo do que se poderia imaginar, se enfileira ao lado dos céticos. Em campanha, e ignorando que Dilma ainda governa, Lula vai aos rincões contar suas velhas mentiras.
Não bastasse o suicídio político — que começa no enxovalhar do PMDB e se completa com a bomba de impopularidade deixada no colo do Congresso, por meio do orçamento –, Dilma começa a executar a autodestruição econômica. A CPMF, rejeitada em uníssono pela sociedade brasileira, parece a ter libertado de qualquer outra obrigação. Como quem diz aos brasileiros golpeados pela recessão: “vocês não querem CPMF para pagar meus rombos, então lavo minhas mãos”, Dilma deixa claro que, daqui por diante, não é mais problema dela.
Mas é dela sim. Tancredo Neves já vaticinava que a esperteza, quando é demais, acaba engolindo o esperto. De esperteza em esperteza, o governo Dilma ficou sem saída. Passou maquiagem nos indicadores, escondeu o problema, negou, mentiu e pedalou. Mesmo com todos os avisos dos pessimistas e “velhos do restelo”, teve a cara de pau de dizer-se surpreendida após as eleições…
Como Kutuzov diante do flanco napoleônico, Dilma parece atear fogo ao que resta do bom nome econômico do país. Incapaz de dizer a verdade para seus eleitores e obcecada com a divisão do mundo entre “nós e eles”, a presidente aparentemente se entregou à lógica segundo a qual destruindo o Brasil criará problemas para os que vierem depois. Há um cheiro de Nicolás Maduro no ar. Deus nos proteja.
Presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela (ITV). Artigo publicado no Blog do Noblat, em 02/09/2015.