“A reserva de 10% das cadeiras nos parlamentos em todas as esferas, municipal, estadual e federal, mudança já válida para as próximas eleições, é um avanço simbólico, além dos muitos e nada fáceis desafios que ainda temos pela frente. Um deles é o de promover esta ocupação com mulheres mais bem preparadas para assumirem a função de legislar em quaisquer áreas, porém sem abandonar a perspectiva de gênero.”
O momento não está para além das prioridades, porém seria um desperdício ao fato da visita da chanceler Angela Merkel, no final da semana passada, e a aprovação da PEC 98/2015, nesta terça-feira, que nos permitem explorar o zeitgeist. Talvez não tenhamos outra chance para falar desta urgência antiga, a desigualdade entre os gêneros, aproveitando estes dois acontecimentos. Sobre o encontro de Merkel com a presidente Dilma aqui, temos a dizer o quanto a Alemanha nos inspira e nos serve de aliada na luta de anos pelo espaço que pretendemos ocupar na política. É de lá que as mulheres engajadas no aumento da presença feminina no parlamento brasileiro recebem o apoio para realizar cursos sobre política nacional e global, têm acesso à leitura sobre a conjuntura brasileira, mundial e, com isso, conseguem dar musculatura ao projeto de alcançar a igualdade. Ontem à noite demos mais um passo nesse sentido com a aprovação no Senado da matéria sobre as cotas para mulheres no parlamento. Nosso sistema de cotas na política é ineficiente porque não temos as condições de preencher os 30% previstos dentro da atual situação nos partidos políticos. As mulheres agora estão aparecendo na propaganda político-partidária, o que nos é garantido por Lei desde 2009, mas vale lembrar que, por não cumprirem esta obrigatoriedade, partidos foram multados no Brasil. Também por perceberem a importância quantitativa das mulheres no eleitorado brasileiro, assim como na população ativa, afinal respondemos por mais de 40% dos lares no país hoje, começamos a ser enxergadas e ouvidas. Temos percorrido uma trajetória de resistência, de persistência e de vigilância do cumprimento dos mecanismos legais que nos dão voz. Ainda assim, podemos contabilizar muito pouco resultado. Somos menos de 10% no parlamento, perdemos a oportunidade da Reforma Política para mudarmos as nossas condições de acesso, mas não vamos desistir. Esta é a boa nova.
A reserva de 10% das cadeiras nos parlamentos em todas as esferas, municipal, estadual e federal, mudança já válida para as próximas eleições, é um avanço simbólico, além dos muitos e nada fáceis desafios que ainda temos pela frente. Um deles é o de promover esta ocupação com mulheres mais bem preparadas para assumirem a função de legislar em quaisquer áreas, porém sem abandonar a perspectiva de gênero. Para isso, teremos de corrigir distorções, sobretudo no aspecto financeiro de como se constroem as campanhas eleitorais. No PSDB temos o segmento mais organizado do partido, consolidado em todos os estados. Em São Paulo investimos em capacitações numa parceria com a Fundação Konrad Adenauer, de origem alemã, presente em mais de 20 países para o desenvolvimento da democracia. Estes cursos nos renderam maior aderência das mulheres ao projeto de maior participação no partido. Na última sexta-feira (14/08) lançamos a campanha nacional “Rumo aos 50%”, que objetiva a igualdade no partido. Aqui em São Paulo, nós mulheres já somos 45% dos filiados.
Defendo as cotas, luto por elas dentro e fora do partido, em grupos suprapartidários, no setor privado e no meio acadêmico porque foram fundamentais para países em fase de democratização, como a Argentina e o Peru. O sistema de representação política pode ser um fator impulsionador ou inibidor dessa participação feminina e isto é perceptível mesmo no interior das democracias consolidadas e com alto grau de desenvolvimento econômico. No Brasil, parece relevante defender a ideia de que a lógica da participação feminina estivesse presente nos debates sobre reforma política, lembrando que alguns projetos sobre esta temática tramitam não é de hoje. Porém, a resistência por parte dos partidos políticos e no Congresso Nacional está na conciliação das cotas e do sistema político almejado. Este é o ponto que temos que debater exaustivamente.
Um estudo recente elaborado pela sociedade de pesquisa do The Economist coloca o Brasil na categoria de “democracia imperfeita”. É preciso que percebam que estamos atrás de Cabo Verde nessa pesquisa, em que um dos critérios de classificação é a participação feminina na política. É claro que este não é o único critério, mas é importante ressaltar a condição. Desde o século passado, as cotas de gênero vêm sendo adotadas por duas vias: por iniciativa partidária – majoritariamente por partidos de esquerda que abriram espaço em suas listas de candidatos para mulheres – e pela legislação. Os 10 países com maior índice de igualdade de gênero em participação política no ranking do Fórum Econômico Mundial, divulgado em 2012, adotaram cotas em diferentes sistemas políticos eleitorais, entre eles: distrital misto (Islândia), multipartidário e distrital (Finlândia), representativo proporcional (Noruega), sistema proporcional (Suécia), democracia parlamentar (Irlanda), distrital Westminster, estrutura dos círculos eleitorais (Dinamarca), eleição direta de representação proporcional de listas (Suíça). Portanto, além de definirmos o melhor sistema político que possa atender às demandas do nosso país, ele deverá acolher necessariamente medidas afirmativas que tornem o sistema mais igualitário e democrático.
*Nancy Ferruzzi Thame, é engenheira agrônoma, advogada, membro da Executiva Nacional do PSDB e presidente do PSDB-Mulher São Paulo