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Loreley Garcia: “O problema não é colocar a mulher na rua, mas na liderança”

Professora Loreley Garcia

Professora Loreley Garcia

Brasília (DF) – Os cursos de Capacitação para Novas Lideranças que o PSDB-Mulher Nacional promoveu em parceria com a Fundação Konrad Adenauer nos meses de verão não beneficiaram apenas as recém-filiadas ao partido. A equipe encarregada da cobertura dos eventos fez uma verdadeira imersão no pensamento feminista e aprendeu muito, com os vários palestrantes em São Paulo, Brasília e Maceió.

Em Alagoas conhecemos a professora Loreley Garcia, Titular da Universidade Federal da Paraíba, com graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1982), Mestrado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (1987) e Doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (1995), estudou em universidades em Israel, Alemanha e Estados Unidos.

Com atuação em Feminismo e Juventude, Mulheres rurais e indígenas, Gênero e Desenvolvimento, Anarcoecologismo, entre outros, e diversos trabalhos publicados individualmente e em equipe, em espanhol, português, inglês e alemão, entre os quais “O Corpo envelhecido: percepção e vivência de mulheres idosas”, em co-autoria com Maria das Graças Melo Fernandes,  Loreley Garcia edita a Revista Ártemis – Estudos de Gênero, Feminismo e Sexualidades, coordena o Projeto “Sem Reservas: Gênero, juventude e impactos ambientais das grandes obras desenvolvimentistas” e o projeto Marcas de Batom- um estudo sobre a prostituição juvenil em áreas rurais.

Foto: Palestra de Loreley Garcia na UNB

Foto: Palestra de Loreley Garcia na UNB

Querendo conhecê-la um pouco mais, o PSDB-Mulher Nacional foi ao seu encontro em uma palestra, na Universidade de Brasília, sobre sociedades igualitárias nos períodos Paleolítico e Neolítico, e conversou um pouco com essa mulher que, em meio a uma agenda como a descrita acima, ainda encontrou tempo para criar dois filhos com serenidade. Sem dramas, como parece dever ser o feminismo para a nossa entrevistada.

PSDB Mulher Nacional – Em sua palestra, em nosso curso Capacitação para Novas Lideranças, ocorrido no início de março, em Maceió, a senhora disse que o Brasil está em 44º lugar no índice de democracias do jornal “The Economist”, atrás do Timor, por exemplo. O que fazer para mudar essa pontuação?

LG – O que a pesquisa aponta é a ausência de cultura e participação política, assim como uma enorme deficiência de representação de mulheres nos cargos eletivos. Creio que há que se perguntar o que afasta as mulheres da disputa política. Na minha opinião, e pesquisas confirmam, o ambiente que não atrai, uma linguagem e ritos que não são familiares e os partidos, por exemplo, não fazem a menor questão de acolher as novas personagens na cena política, ao contrário, chegam a demonstrar hostilidade e criar situações desconfortáveis como tive oportunidade de escutar de deputadas na Paraíba.

Com relação à questão sobre o aumento da participação política, que é uma questão espinhosa, gostaria de salientar que a cidadania no Brasil é distribuída desigualmente e, as mulheres durante séculos padeceram de uma cidadania incompleta,

Sobretudo, as mais jovens não têm voz ou poder, seus pontos de vista são marginalizados, mal entendidos ou silenciados. Mas ao envolver-se na tomada de decisões nos espaços públicos ou comunitários, elas podem influir nas políticas que dizem respeito ao seu cotidiano e assim influenciar positivamente nas suas comunidades.

Mas há um porém: é preciso considerar que liderança não é uma característica inerente ao ser humano, ela resulta de um conjunto de habilidades desenvolvidas ao longo do tempo. Proporcionar oportunidades para desenvolver a habilidade de liderança é importante no preparo das jovens mulheres porque para conseguir espaço nos partidos, na arena política no geral, terão que transpor grandes barreiras e desafios para ter voz e marcar posição no espaço público. Os obstáculos que elas têm que enfrentar vão desde leis que discriminam e impedem a participação da mulher (não é o caso do Brasil), crenças culturais sobre as habilidades e papéis de gênero até a falta de aceitação do estilo de feminino de liderar (ver pesquisa de Eagly & Johannesen-Schmidt, 2001), além de ter que lutar contra os estereótipos de gênero que colocam a mulher fora do espaço de poder e decisão. O desequilíbrio de gênero entre os líderes mundiais é indicativo que ainda há muito por ser feito e que o investimento na educação desde cedo é prioritário para eliminar a inequidade de gênero.

As jovens, quando empoderadas, reduzem suas vulnerabilidades e tornam-se menos suscetíveis às violações dos seus direitos. O que se pretende é garantir o direito delas participarem dos espaços da vida pública trocando experiências entre si, com os gestores e executores das políticas públicas.

 

PSDB Mulher Nacional – Alguma coisa mudou em sua avaliação da enquete do “The Economist”, de 05 de março para cá? A gigantesca manifestação do dia 15/03 e os panelaços que aconteceram antes e depois dela alteraram o quadro?

LG – Não poderemos fazer afirmações sem sermos levianos. Veja, em junho de 2013 as manifestações foram muito maiores e o resultado foi quase nenhum. Foram protestos que desaguaram na eleição do mesmo governo, como pode?

A estratégia do governo de estigmatizar os que vão para a rua, taxando de coxinha, ‘zelite branca’  atinge muitas pessoas que criticam fortemente a situação do nosso país, mas não querem ser confundidas com os fãs de Bolsonaro.

Por outro lado, parece que o país perdeu a capacidade de crítica e que criticar o governo significa ser conservador, essa mensagem, que é uma manipulação palaciana, tem muito efeito.  É como se as pessoas tivessem parado de pensar e atuassem como meras caixas de ressonância.

Mas há o pior lado, a volta da ditadura militar. Isso impacta negativamente os movimentos da oposição, porque se supostamente o governo é ‘popular’, pedir a sua derrubada seria apoiar uma intervenção golpista e isso apavora uma grande parcela da população. O conservantismo tem mais voz que os democratas, os legítimos democratas, nas manifestações. Tenho a narrar, que aqui em Joao Pessoa, o arcebispo reza em cima do caminhão, canta-se o hino várias vezes e cada um fala o que quer. É um movimento acéfalo e desorientado, pelo menos nesse estado tem sido assim. Mas o que mais me assustou em 12 de abril, foi ver que, entre as poucas faixas, duas delas pediam a Intervenção Militar.

 

PSDB Mulher Nacional – As mulheres foram às ruas no dia 15 de março, levando seus filhos, barrigas e mães, em proporção muito maior do que sua representação parlamentar e em total falta de sintonia com Executivo. Somos maioria da população, o que pode explica tamanha mobilização?

LG – Isso não surpreende. As mulheres sempre foram para a rua, alimentaram os movimentos, desde os seus bairros, nos sindicatos, nas igrejas ao longo da história do Brasil.  O problema não é colocar a mulher na rua, mas na liderança. Ela é executora de tarefas, mas é mantida longe da restrita esfera onde são tomadas as decisões. Essa é a questão. É esse descompasso que é inaceitável. Como respondi anteriormente, não há correlação entre o número de mulheres e o número de representação feminina e isso derruba o país no ranking mundial das democracias. É uma questão séria que não é levada a sério. O movimento negro e até o LGBT sabem fazer lobby muito mais eficaz que as mulheres. Observe as propagandas sexistas ou personagens caricatos que denigrem a imagem da mulher, pode haver reclamação, mas sem muita ressonância. No movimento negro não é assim, se se sentirem insultados tem muito mais capacidade de mobilização que os grupos de mulheres, pulverizados e fragmentados.

 

PSDB Mulher Nacional – O que se viu nas ruas do Brasil inteiro foram faixas contra Dilma e o PT e muito pouco contra o ex-presidente Lula, como se o governo de uma estivesse dissociado da administração de outro. A senhora concorda com essa avaliação?

LG – Não concordo, eu vi critica a todos eles e ao partido. Querem apear o PT do poder, Lula, Dilma (a que seria destituída do cargo) et caterva. A experiência deste partido no governo foi muito negativa, embora nem todos concordem com isso, em nome dos ‘avanços sociais’, maximizados pela mídia e pelo discurso oficial. Como diz o Magnoli (ex-colega de tendência na USP), o PT é bom na planície, que volte para lá e deixe o planalto.

 

PSDB Mulher Nacional – Na semana posterior às manifestações de 15 de março, vimos o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, avisar ao Brasil que o Ministro da Educação, Cid Gomes, estava demitido. Ainda somos uma “democracia imperfeita” ou entramos em pleno “parlamentarismo branco”?

LG – Democracia Imperfeita é pouco. Somos um desgoverno! Não tenho muito a comentar, mas o 2º mandato parece uma vacância da presidente que sequer dá as caras e quando o faz, é uma sequência de desastres. Seus atos são incompreensíveis, agora que triplicou o recurso do fundo partidário, demonstrou uma agenda de prioridades insana, porem coerente com quem construiu estádios e não hospitais e outros equipamentos para quem precisa desesperadamente deles: o povo que continua votando neles atemorizado com a possibilidade de perder os benefícios sociais.

 

PSDB Mulher Nacional – Temos plena consciência da complexidade do quadro político atual, mas a curiosidade é grande. Algum palpite sobre o que o futuro nos reserva?

LG – Quem dera pudesse fazer uma previsão. O quadro não é sinistro, mas é muito complicado. Eu culpo a oposição também pela falta de firmeza e coerência, temos uma oposição muito dividida e com interesses muito ‘pessoais’. O espectro da oposição envolve alhos e bugalhos, por isso é difícil ter uma interlocução maior, afinal, como aliar-se a Bolsonaro? Quem é o inimigo? Isso ficou muito diluído, as forças políticas parecem patinar em um cenário onde elas poderiam estar fortes e dando as cartas. Não vamos nos esquecer de que o Collor caiu por muito menos e perdeu na própria base de apoio porque havia uma oposição articulada, hoje não vejo isso.

 

PSDB Mulher Nacional – Uma de suas áreas de atuação é a Anarcoecologia, que propõe, entre outras medidas, uma mudança radical nas relações entre homem e natureza. Estamos vivendo uma ruptura de paradigma climático, com secas extremas e alterações abruptas, em que a Anarcoecologia pode contribuir para diminuir essa tensão?

LG – Diminuir não é o objetivo, mas aumentar, provocar rupturas, afinal são anarquistas!

Na crítica feroz ao modelo de civilização que adotamos, mostrando o preço que estamos pagando por um suposto conforto. Falarei sobre isso no evento do Anppas – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade ( o 7º Encontro Nacional do Anppas aconteceu de 17 a 20 de maio na Universidade de Brasília).

 

PSDB Mulher Nacional – Para algumas das mulheres, em nossos cursos, o feminismo parece ser agenda vencida, como se não houvesse mais nada a fazer nessa questão. A senhora concorda com esse posicionamento?

LG – Discordo integralmente. Acredito que estejam desinformadas sobre o que é e o que pretende o feminismo. Muitas demandas feministas já foram contempladas, pelo menos no nível formal, desde os anos 1960, o que não significa que a luta esteja completa, primeiro porque muitas outras reivindicações ainda permanecem e também porque a luta por novos direitos expandiu-se. O movimento feminista tem muitas faces, mas nenhuma delas vai afirmar que a pauta feminista foi vencida, nem mesmo o feminismo de estado. Ao contrário, a mulher permanece ganhando menos, os índices de violência só fazem aumentar, o uso do corpo e da imagem da mulher é uma afronta e, pior de tudo, na contramão dos países ocidentais, o Brasil não permite o aborto. Ora, se você não tem permissão para decidir sobre seu corpo e se quer e a hora de assumir a maternidade, então a sua cidadania está incompleta.

Além do que, temos o detalhe da representação feminina ainda pífia nas casas legislativas e cargos majoritários.