Nas comemorações do Dia do Trabalho, que ocorrem esta semana, sempre se costuma reclamar, com razão, do desemprego. Na economia agrária, porém, esse problema desapareceu da agenda. Ao contrário de antes, quando sobrava gente na roça e não havia faina para todos, atualmente o campo se esvaziou. Procura-se trabalhador.
“Apagão de mão de obra” foi destaque da Bienal da Agricultura, encontro recentemente promovido, em Cuiabá, pela Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato). Especialmente no Centro-Oeste, nas fronteiras de expansão da agricultura nacional, depara-se com forte escassez de pessoal. Segundo Alexandre Mendonça de Barros, consultor presente no evento, o grande desafio hoje é “encontrar, qualificar e reter o profissional” na fazenda. Nada fácil.
Nas novas regiões agropecuárias do Brasil central impera o mundo da moderna tecnologia. E a oferta de trabalho local não mostra tarimba capaz de operar os sistemas tecnológicos, mecanizados e computadorizados que funcionam na linha de produção rural. A “agricultura de precisão”, conectada aos satélites de posicionamento global (GPS), avança maximizando a produtividade e minimizando o uso de insumos. Maravilha tecnológica da lavoura nacional, o plantio direto, que permite realizar duas ou três safras sucessivas na mesma área, ou ainda a integração entre a lavoura e a pecuária – sai a soja entra a boiada – são sistemas que exigem elevada qualificação profissional. Tudo mudou desde quando a enxada carpia o mato do milharal e as galinhas caipiras botavam ovos no ninho do curral.
Onde ocorreu a ocupação agrícola tradicional, como nas zonas cafeeiras de Minas Gerais e São Paulo, próximas das montanhas da Mantiqueira, o gargalo anda apertando na hora da colheita. No passado, sobrava gente para a apanha do café; hoje, é cada vez mais difícil encontrar pessoas dispostas a subir os morros, derriçar os grãos, varrer o chão, ensacar o produto. Fora a qualidade. O que se fala, por aí afora, é que sumiram os trabalhadores dedicados, e os que se recrutam agora fazem meros bicos, sem gosto pelo serviço. Desejam ocupações mais “nobres” do que sofrer debaixo do sol escaldante. A escassez e a baixa qualificação da mão de obra afetam igualmente a colheita manual na citricultura. Pior, volta e meia se descamba para o litígio na Justiça. Em vários setores de produção no campo, a outrora alegria da colheita se transformou no desgosto da encrenca trabalhista.
Nesse contexto, a mecanização da colheita continua se impondo. Há meio século as primeiras colheitadeiras, mais simples, começaram a chegar às lavouras de milho e de arroz. Depois, mais elaboradas, avançaram para o feijão e o algodão. O progresso tecnológico nunca cessou. Complexas e eficientes máquinas dominaram também fases jamais imaginadas escaparem do processo manual, por serem difíceis, tais como o arranquio de batatas ou de amendoim. O último degrau da sofisticação da colheita chegou aos cafezais. Poucos conseguem imaginar como uma supercolheitadeira consegue, com seus múltiplos bastões, qual dedos vibratórios, derrubar os grãos de café por dentro da planta, derrubando-os automaticamente sem quebrar a galharia. Simplesmente sensacional.
Há tempos os economistas agrários discutem sobre este dilema histórico: a falta de trabalhadores estimulou a mecanização da colheita ou foi a introdução da colheita mecânica que expulsou os operários rurais? A difícil resposta, semelhante ao enigma do ovo e da galinha – quem veio primeiro? -, pouco importa aqui. Fundamental é mostrar que, na realidade da agricultura brasileira atual, existe falta de mão de obra generalizada, nas tarefas simples ou qualificadas, lacuna que em alguns lugares já está causando a desistência da produção rural. Nem se encontram mais facilmente trabalhadores permanentes dispostos a residir nas propriedades rurais. Desamparadas, cresce nelas o roubo vulgar.
Soma-se a esse cenário socioeconômico um terrível fenômeno demográfico: o envelhecimento dos agricultores. Não apenas os operários progressivamente se distanciam do campo, em busca das oportunidades e do modo de vida oferecidos na cidade grande, como poucos filhos permanecem ao lado dos pais, suportando sua trajetória, atavicamente apaixonados pelo ambiente agrícola. Os jovens saem para estudar e buscam fazer brilhar sua carreira longe da poeira do estradão. Nada segura a força de atração dos aglomerados urbanos.
Não é exclusivo do Brasil. Na Europa, o envelhecimento dos produtores rurais vem sendo analisado há muito tempo. No relatório (2013) do Parlamento Europeu para a aprovação da atual Política Agrícola Comum (PAC), lamenta-se que apenas 7% dos agricultores europeus apresentam menos de 40 anos e que daqui a cerca de 10 anos 4,5 milhões de produtores rurais irão se aposentar. Esse drama agrário atrapalha a inovação, empaca a produtividade, reduz a ousadia. A notória perda de competitividade agrícola foi compensada com fartos subsídios, que seguram a renda familiar e confortam os agricultores, mas, ao mesmo tempo, os acomoda.
Nos EUA também se discute, nestes dias, a alteração nos vistos de entrada para trabalhadores estrangeiros, incluindo o programa H2-A, destinado aos assalariados temporários na agricultura. A Califórnia, especialmente, ressente-se da falta de mão de obra rural. Segundo a Western Growers Association, 80 mil acres de frutas e vegetais deixaram de ser cultivados no Estado em decorrência da falta de braços nas lavouras.
Como atrair gente para o trabalho na agricultura? Como estimular os jovens a permanecerem no campo? As respostas indicarão o Brasil que será construído no futuro.
*Xico Graziano é agrônomo, foi secretário de Agricultura e secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.
** Artigo publicado na edição desta terça-feira (29) do jornal O Estado de S.Paulo