Opinião

“Mais um ano de vida e transformações”, por Mara Gabrilli

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Natalice Cardozo, 44, é moradora do bairro do Jabaquara e mãe de quatro crianças com deficiência física, mas que nunca foram diagnosticadas.  Ela, que tem comprometimento intelectual, nunca soube explicar ao certo a causa da deficiência dos filhos. Carente, sua família passava por várias dificuldades. Uma das crianças, por exemplo, não conseguia estudar por não ter cadeira de rodas para se locomover.

Foi em um dos mutirões do “Cadê Você?” que nossa equipe conheceu a história dessa mãe. Ela levou os quatro filhos para serem atendidos pela equipe multidisciplinar do projeto. Lá, as crianças passaram por uma equipe formada por profissionais como psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, assistentes sociais, dentistas e fonoaudiólogos. No final do atendimento foram encaminhados para vários serviços. Além de orientação, a mãe ganhou duas cadeiras de rodas, uma para o filho que não podia frequentar a escola, e outra de banho, já que as crianças tinham de se lavar direto no chão.

Rodrigo tem paralisia cerebral de comprometimento severo. Foi levado pela irmã em um dos mutirões do “Cadê Você?” realizado no bairro do Grajaú. Rodrigo, que é traqueostomizado, usava uma sacola de plástico para descarte da secreção. Assim que foi avaliado, a equipe se deu conta dos riscos de saúde que o garoto corria por conta da infecção que apresentava e o pulmão que estava seriamente comprometido. A equipe do mutirão então fez contato com uma ambulância e a assistente social do projeto ficou monitorando durante o dia todo até que o garoto fosse foi internado. Rodrigo passou uma semana no hospital e voltou três semanas depois para ser atendido em um novo mutirão. Já recuperado, foi encaminhado para diversos serviços.

Essas são algumas histórias que mostram a dimensão do “Cadê Você?” e deflagram a importância do projeto para pessoas com deficiência que vivem em situação de vulnerabilidade nas grandes periferias de São Paulo.  Essa população não tem acesso a serviços básicos. Para ser ter uma ideia, 60% dos encaminhamentos feitos pelo “Cadê Você?” são dirigidos à área de saúde. Muitas pessoas que chegam ao mutirão estão há mais de um ano na fila de espera do Sistema Único de Saúde (SUS)  aguardando uma cadeira de rodas ou uma muleta.  A população que mais carece de atendimentos básicos é também a que mais sofre com a ausência de políticas públicas do Governo.

Felizmente, nestes dois anos do “Cadê Você?” o projeto não só cresceu em números, como também se profissionalizou, lançando excelentes publicações de apoio ao público atendido, como as três cartilhas de orientação para pessoas com lesão medular, paralisia cerebral e sexualidade para pessoas com deficiência intelectual. Esses materiais trazem orientações importantíssimas de como ter qualidade de vida, saúde e principalmente, conhecimento sobre si mesmo. Afinal, é comum nos mutirões encontrarmos pessoas que não sabem lidar com as questões que envolvem sua própria deficiência. A barreira nasce na ausência de informação.

Por toda essa carência de serviços e políticas, emociono-me ao dizer que este ano o “Cadê Você?” aumentou em mais de 70% o número de atendidos. São mais vidas como as de Natalice e seus filhos, e a de Rodrigo, que foram transformadas. Mais famílias que passaram a conhecer seus direitos, ter acesso a informações que podem contribuir para mudar sua forma de viver. São mais encontros entre pessoas e sua dignidade, muitas vezes já esquecida pela falta de acessos básicos a tudo.

Hoje podemos dizer que o “Cadê Você?”  vem consolidando-se como um projeto de marca própria, que resgata a diversidade humana em sua faceta mais vulnerável de esquecimento. O Instituto Mara Gabrilli agradece a experiência de poder fazer parte de tantas realidades e por de alguma forma poder preencher com orientação, cuidados, carinho, respeito e amor, a vida de tanta gente.

 

Mara Gabrilli é deputada pelo PSDB-SP