Chamo a atenção daqueles que têm acesso a este portal para uma visão que já está se tornando lugar comum: ao olharmos para o nosso país vemos dois Brasis.
Ninguém usa a expressão sem lembrar da obra clássica do francês Jacques Lambert, Dois Brasis (1950), que foi uma das primeiras tentativas de ler o Brasil, através de suas contradições de país rico-pobre, moderno-arcaico, urbano-desértico. Em outro momento da história do Brasil a nossa geopolítica falava em Brasil do interior e Brasil do litoral.
Analisar o nosso país é tarefa árdua. A análise não pode ser feita com visão única, generalizando e homogeneizando o país como um todo. Os dois Brasis sobre os quais quero chamar a atenção aqui não são mais os mesmos referidos por Lambert, ou seja, o Brasil rico e o Brasil pobre, mas o Brasil da propaganda oficial e o Brasil do dia a dia da população brasileira, o Brasil do executivo federal e o Brasil dos municípios, o Brasil legal e o Brasil clandestino, o Brasil da Lei e o Brasil alternativo, o Brasil das escolas particulares e o Brasil das escolas públicas, o Brasil dos que têm mesa farta e o Brasil dos que passam fome. E poderíamos seguir citando as faces desses Brasis que se contradizem e quase nunca se encontram.
O Brasil oficial é o que nos vendem, através da mídia, que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) vai resolver todos os problemas de infraestrutura do país. Por essa ação midiática esse primeiro Brasil funciona perfeitamente.
Nessa visão o nosso Banco Central é referência mundial no controle da inflação, a nossa polícia federal tem a melhor inteligência do mundo, a Receita Federal controla qualquer tipo de sonegação e cobra de maneira exata, o nosso sistema de saúde funciona às mil maravilhas. É um país de todos, como diz o mote do governo.
Por outro lado, de fato, o Brasil real não funciona. Aparece uma nuvem mais escura no céu e o nosso sistema elétrico entra em pane, provocando apagões mal explicados por todas as regiões do país. As nossas estradas estão entre as piores do mundo e perdemos milhões de reais por ano porque a logística que temos não facilita o acesso aos portos. Os nossos aeroportos estão acima de sua capacidade e logo teremos outro apagão aéreo. O sistema de saúde é precário e com profissionais mal pagos.
A nossa educação pública, com 387 pontos na última avaliação (2011) do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), está entre as piores do mundo. Isto significa que o aluno médio, de 15 anos de idade, nos países que valorizam a educação, estão três séries à frente dos nossos, enquanto que metade dos brasileiros nessa faixa etária nem entende o que lê. A nossa carga tributária é uma das mais altas, embora todos os serviços públicos continuem de péssima qualidade.
O segundo Brasil, o real, cresce de todas as formas. Temos uma rica e poderosa economia clandestina, paralela e oculta que, às vezes, aparece sob o rótulo de corrupção. Temos, também, a justiça paralela, que aparece nos linchamentos e nos tribunais de pequenas causas das organizações criminosas.
As nossas reservas de petróleo estão dentre as maiores do mundo e somos pioneiros na produção do etanol, mas os preços de combustível nos postos estão dentre os maiores do mundo também.
Diante do atraso de nossas obras preparatórias para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas concluímos que, de fato, estamos precisando de gestão competente.
Por essa dubiedade de país em que vivemos, todos os que temos responsabilidade, seja no executivo ou no legislativo, temos que descer do palanque e olharmos para o brasileiro na sua integralidade.
O Governo tem a enorme responsabilidade de manter a estabilidade monetária, de incentivar a geração de empregos, desonerando as atividades produtivas e, principalmente, ampliando os investimentos, sobretudo os de infraestrutura e os de educação.
Recentemente, num dos meus pronunciamentos no plenário do Senado, fiz uma análise do desempenho da economia brasileira, a partir do Relatório Prévio do Tribunal de Contas da União sobre as contas do governo relativas a 2012. Recomendo, inclusive, a leitura do Relatório. O fato é que estamos com uma inflação acima do centro da meta, que é de 4,5%, crescimento pífio do Produto Interno Bruto – 0,9% no ano passado – exportações em queda, relações de livre comércio inexpressivas. Além disso, a nossa credibilidade diante dos investidores está sendo engolida pela Aliança do Pacífico, constituída por Colômbia, Peru, Chile e México, que portam invejáveis índices econômicos.
Efetivamente não podemos continuar convivendo com esses dois Brasis: um preparado para os novos modelos mundiais de desenvolvimento e outro marcado pela exclusão social, que resulta da falta de legitimidade política do Estado, da fragilidade de suas instituições e dos problemas de governabilidade.
*Lúcia Vânia é senadora (PSDB) e jornalista.