O Brasil, como estado nacional, foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por um feminicídio ocorrido em 1998. A jovem Márcia Barbosa de Souza, à época com 20 anos, foi assassinada pelo então deputado estadual paraibano Aércio Pereira de Lima, do extinto PFL, hoje DEM. A sentença, proferida em 7 de setembro, foi divulgada na última quinta-feira (25/11).
Há 23 anos, após investigação, a polícia de João Pessoa (PB) conseguiu chegar ao autor do crime. Porém, o fato de ser parlamentar estadual garantiu a Aércio Pereira foro privilegiado, sendo necessária a anuência da Assembleia Legislativa da Paraíba para que ele fosse processado e levado a júri. Mesmo com toda a pressão popular e da imprensa ocorrida à época, o suspeito do crime jamais foi levado ao tribunal.
“Mas, infelizmente, meu parecer foi derrubado pelos colegas. Foi um caso de grande repercussão e mobilização da opinião pública e, principalmente, dos movimentos de mulheres”, lembrou. “Fui voto vencido. Logo em seguida, solicitei um recurso para que o caso fosse a plenário. Mas, mais uma vez, eles fizeram de tudo para não liberar o deputado. Muito machismo, e ficou por isso”, relatou.
Em 2001, a tucana também foi autora de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) aprovada que acabou com a imunidade parlamentar para crimes comuns.
“Foi um momento histórico na Assembleia, justamente devido ao fato de que a Justiça não conseguia escutar, julgar um deputado, por conta do manto da impunidade que o deputado tem da imunidade parlamentar”, destacou.
Somente em 2003, quando Aércio não conseguiu se reeleger após quatro mandatos consecutivos, é que a ação penal pôde ser instaurada contra ele. O julgamento ocorreu em 2007, quando ele foi condenado. No entanto, seus advogados recorreram da sentença, e o acusado permaneceu em liberdade até sua morte, no ano seguinte, em 2008.
Fim da impunidade
A rede de proteção institucional dada pela legislação brasileira ao então parlamentar foi o alvo do julgamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que considerou que os parâmetros e proteções legais dados ao acusado garantiram o atraso em seu julgamento e a posterior impunidade do réu, que morreu sem ser condenado pelo crime. O caso foi levado à CIDH pela militante feminista Valquiria Alencar, que coordenava à época o Centro da Mulher 8 de Março, ONG voltada ao combate à violência contra as mulheres, e que acompanhou a história desde o início.
A corte também concluiu que o Judiciário brasileiro teve um papel fundamental na construção de uma imagem negativa da vítima, que durante todo o processo foi retratada com menções à sua moral e sexualidade, sem que as insinuações fossem cessadas por promotores ou o magistrado do caso.
A decisão do tribunal internacional, que será remetida ao governo brasileiro, exige reparação material e imaterial à família de Márcia Barbosa, assim como a publicação da sentença da CIDH, na íntegra, no Diário Oficial da União, nos diários oficiais do governo da Paraíba e do poder Judiciário do estado, além de uma cópia em um jornal de grande circulação.
“Tarde, porém exemplar a decisão da Corte Internacional de Justiça. Espero que sirva de balizamento para outros crimes, ainda sem a devida reparação judicial”, completou Iraê Lucena.
*Com informações do portal da Revista Fórum