Ansiedade, estresse, paranoia, medo, pensamentos suicidas. A pandemia tem levado vidas, assim como o isolamento social tem deixado sequelas emocionais e mentais ao redor do mundo. Aqui no Brasil a situação não poderia ser diferente. Mas ela é. Infinitamente pior. Não bastassem os problemas reais ocasionados pela proliferação do novo coronavírus, que afetam a saúde e a economia do país, o brasileiro ainda lida com uma crise política. Em meio a mortes, falta de leitos em hospitais, desemprego e falta de comida no prato, estamos diante de um cenário de imprevisibilidade que causa emoções difíceis de digerir.
A angústia, por exemplo, é um medo sem objeto específico, mas ela precisa e deve ser tratada, assim como todos os transtornos mentais que hoje tomaram conta da população, inclusive da própria classe médica.
Uma recente pesquisa realizada pelo Royal College of Psychiatrists, no Reino Unido, deflagrou o aumento no número de atendimentos de emergência relacionados a doenças mentais e uma queda nas consultas de rotina. O estudo feito com 1.300 médicos de saúde mental de todo o Reino Unido constatou que 43% haviam visto um aumento em casos urgentes, enquanto 45% relataram uma redução nas consultas de rotina.
A pesquisa mostrou que muitas pessoas deixaram de procurar ajuda mesmo com os serviços de saúde mental ainda abertos, e por isso acabaram chegando ao ponto em que atendimentos de emergência foram mais necessários. Elas deixaram de procurar ajuda por medo, por falta de informação, por desespero.
Aqui no Brasil, no entanto, para muita gente, a situação é oposta, mas tão preocupante quanto. As pessoas deixaram de procurar terapias porque houve a interrupção de muitos serviços. Mães de autistas, por exemplo, não sabem lidar com os filhos que hoje estão se mutilando dentro de casa porque tiveram sua rotina alterada. Onde buscar suporte emocional e psicológico para lidar com essa realidade?
Em requerimento de informação, que enviaremos ao Ministério da Saúde, faremos esse tipo de questionamento para entender o panorama da política de saúde mental no Brasil e propor ações que contemplem a população nesse momento e no pós-pandemia. A questão precisa ser pensada hoje para que futuramente não se transforme em um iceberg. O assunto é complexo e envolve muitas esferas.
No mercado de trabalho, por exemplo, as empresas terão de criar uma política interna para lidar com funcionários que cessarão o home office, mas que estão mentalmente afetados por esse período. O novo normal, que é viver isolado, de repente, não deixará mais de sê-lo. Como se reprogramar para voltar ao “velho normal”?
Fato é que hoje muitos brasileiros estão desenvolvendo distúrbios mentais como resultado direto da interrupção de suas atividades. Alguns não encontram suporte remoto no SUS para lidar com o isolamento social. Muitos, além de driblar o tédio, precisam contornar a fome. Outros lidam com o aumento do estresse ocasionado pelo trabalho em casa (ou pela ausência dele) e até pela falta de remédios de alto custo para o tratamento de doenças que são crônicas e cujo tratamento foi interrompido por problemas de logística ocasionados pela pandemia.
Nesse momento há muitos idosos isolados, caindo em depressão, porque não recebem mais visitas de familiares e, na maioria das vezes, não sabem utilizar a tecnologia para se comunicar. Essas pessoas não têm plano de saúde e não contam hoje com uma assistência remota pública pensada nas dificuldades da terceira idade.
Agora mesmo, inúmeras mães de crianças com deficiência estão em pânico porque, se morrerem de covid-19, os filhos, que são extremamente dependentes, ficarão desamparados. Todas essas pessoas estão angustiadas e precisam de ajuda. Hoje.
Quando falamos dos jovens, o quadro é ainda mais alarmante. O suicídio no Brasil é a terceira causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos e, infelizmente, se nada for feito, o período pós-pandemia poderá levar ao aumento desses acontecimentos. De acordo com a Associação Brasileira de Estudo e Prevenção do Suicídio (Abeps), hoje, anualmente, aproximadamente 12 mil brasileiros dão fim a sua vida. Isso significa 1 a cada 43 minutos. Precisamos parar esse relógio. Precisamos dar saídas para que a dor dessas pessoas tenha um fim. Apenas a dor.
Para isso, o Ministério da Saúde deve adotar medidas para capacitar os profissionais do SUS para acolher essas pessoas da forma mais adequada possível e sem discriminação.
Não deixar o povo sucumbir à letargia, ao desanimo, à tristeza ou mesmo ao delírio social é também papel do Poder Público. Não podemos esperar a pandemia passar para pensar em políticas públicas de saúde mental. Não podemos esperar a pandemia passar para cessar embates ideológicos.
O mundo busca hoje se recolocar no eixo. Com um país em conflito, a única sensação que se gera nas pessoas é a de incerteza no futuro. E isso também adoece. Adoece a mente e enfraquece economias, porque cabe lembrar que ninguém investe em terreno de incertezas. Antagonismo entre os poderes e polarização política entre a população só faz o Brasil se aproximar mais do ranking amargo de último país do mundo a se reerguer dessa pandemia.
Nunca precisamos tanto de lucidez, humanidade e senso de urgência de quem tem voz e liderança. Harmonia, esperança e otimismo entre a população não podem cair em desuso. O momento é de inspirar comportamentos mentalmente sadios entre as pessoas e focar no que de fato interessa: vidas.
Por Mara Gabrilli, senadora (PSDB-SP), publicitária, psicóloga, foi secretária da Pessoa com Deficiência da capital paulista, vereadora por São Paulo e deputada federal por dois mandatos
Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de São Paulo, em 9 de junho de 2020.