Ícone do site PSDB-Mulher

“Não há democracia sem respeito à imprensa”, por Mara Gabrilli

Foto: Agência Câmara

Quando um político usa sua voz para ir contra jornalistas, ele incentiva a intolerância e ameaça a liberdade de expressão

Friedrich Nietzsche dizia que o modo mais seguro de se corromper um jovem é instruí-lo a manter uma estima mais alta por aqueles que pensam como ele do que por aqueles que pensam diferente.

Em meados de 1800, o filósofo alemão já antevia um comportamento nocivo, que nunca foi tão latente quanto nos dias de hoje em nossa sociedade: pessoas estão reduzindo sua forma de ver o mundo a uma única perspectiva — e, muitas vezes, a defesa de um ponto de vista unilateral parte de alguém que ocupa um cargo público.

Certos políticos estão perdendo — alguns talvez nunca tenham tido — sua capacidade de dialogar com todos os segmentos da sociedade, sobretudo com a imprensa, que deve garantir controle da agenda pública e informação com independência e imparcialidade.

É a imprensa uma das maiores responsáveis por construir a ponte entre o Poder Público e o público de fato. Quando um político abre mão desse instrumento e não respeita o papel do jornalismo, um dos quais é justamente contrapor ideias, ele está desestimulando seu povo a pensar, ter senso crítico e capacidade de analisar questões que afetam sua própria vida. Mais ainda: quando um político usa sua voz e alcance para desconstruir o papel de profissionais da imprensa, ele incentiva a intolerância entre as pessoas.

É criminoso desqualificar a imprensa de sua capacidade legítima de nos fazer revisitar convicções

De acordo com levantamento de 2018 do Instituto Ipsos, a polarização política no Brasil atingiu um nível elevado de intolerância. O estudo apontou que os brasileiros estão menos propensos a aceitar as diferenças e que o radicalismo é alto nas discussões político-partidárias. Segundo o instituto, 32% dos brasileiros acreditam que não vale a pena tentar conversar com pessoas que tenham visões políticas diferentes das suas. Estamos bem próximos do topo do ranking, liderado pela Sérvia, país com histórico de guerras e conflitos, cuja realidade é totalmente discrepante à do brasileiro.

A responsabilidade de um agente público e político sobre o que propaga é imensa. Obviamente, isso inclui a imprensa, que deve ser comprometida com a verdade e entender seu papel na construção de cidadania. Mas a imprensa jamais pode ser desconstruída ou censurada. Imprensa livre, mas responsável, é um dos pilares da nossa democracia. É o termômetro de quão desenvolvida é uma nação em termos econômicos, culturais e sociais.

Segundo o Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa, elaborado pela organização RSF (Repórteres Sem Fronteiras), no ano passado, o Brasil ocupava a 105ª posição entre 180 países. Na avaliação da ONG, nosso país ainda é um dos mais violentos da América Latina para a prática do jornalismo.

Por outro lado, em líderes do ranking, como Noruega, Finlândia e Suécia, famigerados países de primeiro mundo, jornalistas não estão sujeitos a nenhum tipo de censura ou a qualquer pressão política. A violência cometida contra esses profissionais é rara.

Muita gente não sabe, mas aos 26 anos, antes de quebrar o pescoço e ficar tetraplégica, eu já era formada em comunicação, um privilégio que, infelizmente, ainda é para poucos em nosso país. Essa bagagem acadêmica é o que me respalda no dia a dia para desempenhar com responsabilidade o meu papel como agente político. E até por minha formação, a comunicação sempre foi um dos principais pilares de todos os meus mandatos. Para mim, comunicar não é só prestar contas de um trabalho que vem sendo feito, que é uma obrigação de um representante público. Comunicar é educar, é inspirar, é gerar engajamento positivo. Isso vai muito além de “likes” e, por muitas vezes, leva até mesmo a “dislikes” — como talvez possa acontecer com alguns dos leitores deste artigo. Mas reitero meu compromisso com a promoção da diversidade de ideias.

Por isso, quando pensamos em uma comunicação com a sociedade, devemos ter em mente que, se o conteúdo não cultiva algo bom, não informa de maneira construtiva e não é pautado no respeito aos direitos humanos, não vale ser propagado. A participação da sociedade na vida pública e política deve ser construída com diferentes pontos de vista e, fundamentalmente, com tolerância e respeito, almejando o reconhecimento da diversidade. Se essa dinâmica não é respeitada por quem mais tem poder de voz, passamos a ter um ruído na comunicação. E esse é um ruído que pode trazer danos graves ao país, como as próprias falas do nosso presidente, que muitas vezes têm impacto negativo na política internacional e que geram embates ferrenhos nas redes sociais, alimentando a polarização e a disseminação das fake news, fenômenos que caminham na contramão do desenvolvimento de qualquer nação.

Nas últimas eleições, uma pesquisa do Datafolha mostrou que quase metade dos eleitores que usavam o WhatsApp disseram acreditar nas notícias que recebiam pelo aplicativo. Para 47%, as informações que recebiam eram confiáveis. Por outro lado, estudos apontam que boa parte desse conteúdo não deveria ser digno de confiança.

Mesmo com tanta tecnologia e facilidade para acessar informação de qualidade, o brasileiro está se distanciando de fontes confiáveis do jornalismo. Trata-se de um paradoxo assustador da era digital. O mundo caminha rumo à aceitação e à convivência com as diferenças, mas as pessoas estão cada vez mais intolerantes, preconceituosas e sectárias. É no mínimo irresponsável um representante do povo fechar os olhos para isso e não combater. E vou além: é criminoso desqualificar a imprensa de sua capacidade legítima de nos fazer revisitar convicções.

O contraditório nos força a rever teses, crenças, hábitos e preferências. Esse é um exercício saudável. É democrático e emana espírito público. É a antítese do comportamento pueril e desrespeitoso de “dar banana” a profissionais da imprensa.

Mandatos devem ser construídos com diversos segmentos e poderes. Não imagino caminho mais correto que esse, mesmo sabendo que está longe de ser o mais simples. Contudo, àqueles que vislumbram contribuir para melhorar o mundo, cabe sempre o exercício da empatia. Respeitar e reconhecer as diferenças é estar disposto a se desconstruir para se tornar de fato alguém melhor e digno de seu povo.

(*) Mara Gabrilli – senadora pelo PSDB de São Paulo. Representante do Brasil no Comitê sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU (Organização das Nações Unidas). É publicitária, psicóloga e fundadora do Instituto Mara Gabrilli. Já foi secretária municipal da capital paulista, vereadora da cidade de São Paulo e deputada federal por dois mandatos.

Artigo publicado originalmente pelo site de notícias Nexo, em 20 de março de 2020

Sair da versão mobile