Publicado no Estadão – 16/05/18
“O que seria de nós, com uma criança especial, sem a ajuda de vocês?”, questiona emocionada uma mãe de criança com paralisia cerebral.
Moradora do Capão Redondo, ela passou pelo atendimento de um mutirão do Cadê Você? e recebeu, pela primeira vez na vida, orientação para lidar com as limitações e, principalmente, com as potencialidades que residem no universo das deficiências. Aprendeu que com estímulo toda criança pode se desenvolver – cada uma a sua maneira e tempo. E que seu filho, assim como qualquer outro que tenha deficiência, tem direito, sobretudo, à felicidade.
Pioneiro no Brasil, o Cadê Você? é um projeto do Instituto Mara Gabrilli que neste mês de maio completa oito anos. A iniciativa identifica pessoas com deficiência moradoras das comunidades mais carentes de São Paulo e outras capitais do Brasil, levando informação e atendimentos, todos realizados por uma equipe multidisciplinar formada por assistente social, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo e psicólogo.
Enquanto atendidas, as famílias são encaminhadas para diversos serviços públicos da cidade, são orientadas sobre seus direitos e principalmente, elas são ouvidas. Recebem uma atenção e um carinho que nunca tiveram por toda a vida.
Nestes encontros, conhecemos crianças e adultos que estão há anos na fila de espera do SUS, aguardando por uma cadeira de rodas, um aparelho auditivo, uma prótese, uma muleta. Essas pessoas fazem parte do universo dos dois milhões de brasileiros que precisam de uma cadeira de rodas, mas onde somente 10% consegue ter acesso a um equipamento fornecido pelo Sistema Único de Saúde. Em São Paulo, elas aguardam até dois anos na fila, mas em outros estados esse prazo pode se estender a meia década.
São brasileiros que sem a cadeira de rodas não conseguem sair de casa, que moram em uma rua sem asfalto, às vezes com esgoto a céu aberto. Eles não podem contar com calçada, tampouco transporte público próximo de suas casas. Por consequência, não estudam, não trabalham, não têm acesso a nenhum equipamento de saúde. Por trás de todas essas realidades, diferentes em si dentro do microcosmo de um bairro esquecido, há sempre uma mesma similaridade: uma guerreira, uma mãe.
Mães, que em sua maioria esmagadora, carregam sozinhas seus filhos. Mulheres que não têm informação para lidar com as questões que envolvem a própria deficiência de suas crianças. Isso porque nunca receberam um diagnóstico na vida. Essas mães, motivo maior do nosso trabalho, enfrentam o esquecimento e a pior das barreiras: a da falta de informação.
Neste cenário de abandono, o projeto Cadê Você? vem conseguindo transformar a realidade de diversas mães. Desde sua criação, em 2010, o projeto já realizou cerca de 50 mutirões de atendimento, impactando positivamente na vida de mais quatro mil famílias, inclusive aquelas que foram atingidas pela epidemia do zika vírus e hoje estão sem suporte adequado da rede pública de saúde no Estado de Pernambuco. De acordo com o próprio Ministério da Saúde, apenas 14% das 400 crianças com a confirmação de microcefalia relacionada à síndrome congênita do vírus da zika conseguiram receber o atendimento completo de reabilitação.
Para atender essas mulheres, a equipe do Cadê Você?, em parceria com outras organizações pernambucanas, já realizou três mutirões pela Caravana Mais Fortes que a Zika, projeto financiado pelo Fundo PositHIVo com apoio da Bayer.
A ação é dirigida a mulheres, em sua maioria jovens e pobres – que precisam aprender, como marinheiras de primeira viagem, todas as questões de praxe da maternidade, que já são muitas. Mas elas encaram um desafio ainda maior: precisam lidar com o imponderável da microcefalia, o que significa encarar uma perspectiva de desenvolvimento diferente para seus filhos. Pode ser uma fala tardia, um caminhar lento ou inexistente, uma alimentação só por meio de sonda, uma dependência extrema e que pode perdurar por toda a vida.
Estamos falando de brasileiras, muitas deixadas pelos pais de seus filhos e que hoje pagam a conta da inação do Poder Público, que não investe em oferta decente de reabilitação, saúde e saneamento básico. Elas se amparam hoje em serviços provenientes do Terceiro Setor e da inciativa privada, que chegam onde o Governo prefere fechar os olhos.
Em 1997, quando fundei o Instituto Mara Gabrilli, tinha o sonho de transformar a vida de quem como eu tinha uma deficiência, mas não as mesmas oportunidades. Hoje, com muito orgulho, comemoramos oito anos de criação do Projeto Cadê Você?. E a celebração não poderia acontecer em um momento mais oportuno, em maio, mês das mães, as protagonistas do nosso projeto e do nosso sonho de levar dignidade, carinho e respeito à diversidade humana.
*Deputada federal (PSDB-SP), publicitária, psicóloga, foi secretária da Pessoa com Deficiência da capital paulista e vereadora por São Paulo. Em 1997, após sofrer um acidente de carro que a deixou tetraplégica, fundou uma ONG para apoiar o paradesporto, fomentar pesquisas cientificas e promover a inclusão social em comunidades carentes