Em época de crise e de corte orçamentário destinado à pesquisa, a mulher brasileira é duplamente prejudicada. Além de driblar a pouca verba vinda de órgãos governamentais que atinge ambos os sexos, a concessão de financiamentos é ainda menor para elas no meio científico, principalmente em áreas nas quais, culturalmente, sempre prevaleceu a hegemonia masculina. Para mostrar a existência desta desigualdade, uma pesquisa feita no Instituto de Psicologia (IP) da USP comparou a participação dos dois gêneros na ciência por área de conhecimento.
Os números de pesquisadores financiados com a chamada Bolsa de Produtividade em Pesquisa por área foram coletados no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) entre os anos de 2013 e 2014. Também foi verificada a proporção, no período, de membros na Academia Brasileira de Ciências (ABC), por sexo e por área.
A área mais discrepante foi a de “Engenharia, Ciências Exatas e da Terra”. Não houve nenhuma das sub-áreas deste grupo em que a mulher foi melhor representada. Em engenharia elétrica, por exemplo, o número de mulheres inseridas no setor foi de 13 para 269 homens; em engenharia civil e engenharia biomédica, a proporção foi de 56 para 210 e de 4 para 60, respectivamente. A segregação não ficou somente nas engenharias. Em física e matemática, o número de mulher também foi infinitamente menor: 101 mulheres para 806 homens, na primeira categoria, e de 29 para 271 na a segunda.
O cenário se inverteu quando o financiamento por produtividade científica se deu em áreas relacionadas às “Ciências da vida”, associadas à saúde, o que reforça o estereótipo de papel de mulher cuidadora. Enfermagem, teve 165 mulheres para 8 homens; fisioterapia, 43 para 23; nutrição, 54 para 27; e farmácia, 88 para 68. No entanto, nesta mesma categoria, para outras áreas com mais “glamour” e cujas profissões remuneram melhor no mercado de trabalho, a participação da mulher volta a cair: em medicina, 205 mulheres para 333 homens; e odontologia, 82 para 129.
Em “Humanidades e serviço social”, a presença da mulher também foi maior quando comparada a do homem: Linguística, 152 para 59; Letras, 126 para 102; Serviço social, 62 para 9; Psicologia, 175 para 138; Educação, 242 para 136 e Arquitetura e Urbanismo, 54 para 42. Houve um equilíbrio para Comunicação, 61 para 61; Arqueologia, 23 para 19; e Turismo, 8 para 6. Porém, os números voltam a se inverter quando foram analisados dados sobre Direito, 26 para 42; e Economia, 29 mulheres para 178 homens.
Alto nível
Os desequilíbrios de gênero no meio científico não param por aí. Sobre os níveis de bolsas concedidas pelas agências de fomentos que estão relacionados ao valor que o cientista irá ganhar para se dedicar a pesquisa, os dados também foram diferentes. As cientistas foram mais frequentemente representadas entre os que obtiveram bolsas com níveis mais baixo do sistema de classificação de pesquisa (PS-2), enquanto que cientistas masculinos ficaram com as bolsas de níveis mais altos (PS1A e PS1B) nas categorias “Engenharia, Ciências Exatas e Ciências da Terra” e “Ciências da Vida”. Esse desequilíbrio não foi percebido em Humanidades e Ciências Sociais.
Embora a pesquisa não aponte razões que levam ao forte desequilíbrio de gênero, a autora da pesquisa, Jaroslava Valentova, afirma que o estudo coloca a realidade em evidência, o que, em sua opinião, é o primeiro passo para discussão e propostas de soluções e políticas específicas para mudar a situação.
Sobre a crise atual de contingenciamento de verba para pesquisa que o País vem passando, Jeroslava acredita que pode ser um dos fatores de desestímulo, embora, atinja tanto mulheres quanto homens. “Insegurança de emprego, cortes de verbas e alto nível de exigência e dedicação, que muitas vezes são incompatíveis com a vida familiar, podem ser outras questões que desencorajam as mulheres em investir na carreira de cientista”, explica. Ela espera, no entanto, que os resultados da pesquisa possam contribuir para estimular reformas que irão resultar em maior igualdade na ciência no Brasil e em outros países, conclui.
A pesquisa sobre a participação da mulher na ciência brasileira foi feita com dados coletados no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e na Academia Brasileira de Ciências (ABC) entre os anos de 2013 e 2014. A autora da pesquisa, Jaroslava V. Valentova, do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da USP, publicou artigo no Peer Journal sob o título Underrepreentation of women in the sênior levels of Brazilian Science
*Com informações do Jornal da USP.