(Émile Zola, Eu Acuso)
O Brasil vive a oportunidade de se olhar no espelho, identificar suas virtudes e defeitos e definir os meios para se tornar um país mais justo e próspero. Existe uma legítima reivindicação da sociedade por um estado mais eficiente, desejo que só se materializa pela combinação de um governo que promova bem-estar de forma duradoura e estruturada; de um Congresso pautado pelas demandas coletivas, e não por interesses particulares ou classistas; de um Judiciário que respeite as leis e realize julgamentos imunes a pressões e casuísmos que não condizem com o estado democrático de direito.
Nos últimos três anos, temos sido surpreendidos pela investigação de ações sem limites de corruptos e corruptores, nas esferas pública e privada. Indignação e revolta são sentimentos imediatos diante de relatos de inacreditáveis esquemas de pagamentos da maior empreiteira do país, gerenciados por meio de um sofisticado sistema informatizado, tendo como alvo uma já desgastada classe política – e digo desgastada não com viés acusatório, mas como desabafo de quem acredita na virtude da vida pública.
No entanto, passado o choque inicial da exibição indiscriminada desses depoimentos, é preciso dar lugar à razão e afastar a tentação de juízos prévios e injustos, feitos antes de qualquer mínima investigação dos fatos.
Digo isso com a marca de quem sabe os danos que prejulgamentos e farsas originárias do submundo são capazes de provocar. Mais uma vez, sou colocado no papel de precisar negar as mentiras de um acusador sem provas. Na noite de 11 de abril, soube pelos meios de comunicação que um ex-diretor da Odebrecht disse a procuradores da República ter feito uma doação não contabilizada de R$ 50 mil à minha campanha a deputado federal de 2010.
Dias depois, novamente via imprensa, vejo o “delator premiado” na gravação de um depoimento cheio de titubeios e sem nenhuma sustentação, usando como justificativa o potencial de eu vir a compor o secretariado do futuro governo Geraldo Alckmin, afirmar que esteve comigo pessoalmente naquele ano por iniciativa própria – “Eu que procurei o candidato”, diz ele.
O criminoso confesso continua sua ficção, após gaguejar e deixar um dos procuradores sem resposta a uma pergunta: “Como ele não havia pedido, eu que o procurei para manifestar o desejo em apoiá-lo, então ele não chegou a fazer maiores comentários”. Na sequência, um procurador o instiga a falar mais: “E a secretária? A secretária que…?”. O delator fica mudo, balbucia que falou com ela “algumas vezes”, dá mais algumas respostas lacônicas e indica não lembrar o seu nome. “Então, aos 4 minutos e 57 segundos, estamos encerrando o termo de colaboração número 18”, conclui um procurador. Imagino que em seguida a claquete soou e passaram para a “colaboração número 19”. Patético.
Menos de 5 minutos de um depoimento em que o interrogador falou quase tanto quanto o interrogado e uma suposta planilha de codinomes são os únicos elementos incluídos na petição relacionada ao meu nome, enviada à Justiça Federal em São Paulo. Nada mais. Nem um mero indício de que esses supostos R$ 50 mil tenham sequer existido. Se existiram, que o criminoso confesse o verdadeiro destino da dinheirama e admita que a menção à minha pessoa é pura mentira.
Minha resposta a essa infâmia não se restringe a reiterar que a prestação de contas daquela campanha foi aprovada pela Justiça Eleitoral, dado que todas as contribuições foram registradas e as despesas, devidamente contabilizadas. Digo a quem me perguntar que nunca procurei nem recebi esse ex-diretor ou qualquer outro preposto dessa empreiteira em nenhuma ocasião, seja como candidato, seja como parlamentar, seja como secretário estadual. Qualquer afirmação em sentido contrário, de quem quer que seja, será fortemente repelida por uma razão única: não passam de mentira sem nenhum fundamento.
É legítimo o desejo de se querer passar o país a limpo, mas render-se à tentação de atribuir a lama de uns a todos os outros é tão danoso quanto os crimes arquitetados contra o erário. A generalização, como definiu o jurista e ex-ministro Célio Borja, “é a salvação dos canalhas”. Tratar como verdade absoluta depoimentos de quem até pouco tempo atrás negava os crimes que agora admite, dar confiança aos relatos sem a devida apuração dos fatos, é servir de escora à mesma engenharia da mentira que sempre visou as próprias benesses, e não a real construção de um país. Há uma marcha da verdade em curso, e não podemos permitir que ela se desvie de seu caminho.
*Artigo publicado por José Aníbal no blog do Noblat, do jornal O Globo, nesta quarta-feira