Perspectiva era tudo o que não havia nos estertores da passagem de Dilma Rousseff pelo Palácio do Planalto. Quando começou a ser afastada, nas votações de abril de 2016, na Câmara dos Deputados, e de maio, no Senado, a então presidente já não governava. Pior: tenho a convicção de que estaríamos fadados a uma desventura de inspiração bolivariana na qual Dilma literalmente quebraria o país em dois meses, caso permanecesse no cargo.
Quando o afastamento foi tornado definitivo, no fim de agosto, o governo provisório de Michel Temer não só havia retomado a governabilidade como tinha obtido a aprovação de importantes matérias no parlamento e definido uma consistente agenda de tomada de decisões. Destacam-se nessa pauta a PEC do teto de gastos, as mudanças na lei do pré-sal e a prorrogação da Desvinculação das Receitas da União (DRU), para ficar em três exemplos. Não foi pouco, considerando a recorrente paralisia motivada pelos vários procedimentos em curso para apuração de casos de corrupção; a devastação das contas públicas, das empresas estatais e dos fundos de pensão; a inflação que superava os dois dígitos; o tensionamento geral da so ciedade com o desemprego e a regressão da renda das famílias; o desânimo, a falta de credibilidade e a desconfiança em relação à gestão pública.
Passados dez meses do governo Temer, hoje temos indícios de retomada da atividade econômica com indicadores positivos relativos ao agronegócio; às commodities em geral; à produção industrial, inclusive automobilística; ao comércio exterior e até mesmo o emprego, que voltou a registrar saldo positivo após penosos 22 meses. A inflação anual retrocedeu para 5% e os juros devem ter queda acelerada daqui por diante. A liberação das contas inativas do FGTS colocou recursos adicionais e fundamentais para as famílias e para a economia. O parlamento aprovou a terceirização e prepara-se para votar a reforma essencial da Previdência, para torná-la mais justa e sustentável.
A despeito dessa clara mudança de perspectiva, ainda vemos turbulências vindas não mais do ambiente econômico, mas da arena política. Estão em curso investigações da Lava Jato e de outros esquemas suspeitos de corrupção no âmbito do Supremo Tribunal Federal e o julgamento da impugnação da chapa Dilma/Temer no Tribunal Superior Eleitoral, que obviamente causam apreensão e expectativa.
Não bastasse isso, ainda vemos um perverso festival de vazamentos seletivos cujo propósito parece ser apenas confundir a opinião pública e passar a falsa ideia de que todos os políticos são venais. Não são! Os corruptos devem, sim, ser punidos, mas ninguém pode ser culpado por se dedicar à vida pública. Mesmo assim, diante das tentativas de se criar um ambiente inquisitório, vemos congressistas aos sobressaltos, preocupados em assegurar a sobrevivência nas próximas eleições, enquanto os oportunistas da anti-política se apresentam sem nenhum conteúdo, mas cheios de simbologias em busca dos 15 minutos de glória. As especulações sobre sucessão presidencial estão em todos os meios de comunicação, juntamente com um mórbido exercício de tiro ao alvo para ver quem vai sobre viver. Nesse cenário, analistas correm em dizer que quem tiver o nome mencionado na Lava Jato estará perdido nas eleições do ano que vem, pouco importando se se trata de uma acusação consistente ou mera citação sem nenhuma prova.
São elementos fortes o suficiente para turvar a perspectiva, dificultar o apoio da razão e dar espaço à desfaçatez sem limites. Agora, Lula vai para a TV dizer que o atual governo não conseguiu resolver o desemprego, como se não tivessem sido Dilma e ele os responsáveis por deixar mais de 13 milhões de brasileiros sem emprego. Fala que quer antecipar eleições, em mais um arroubo demagógico. Vale tudo para esta metamorfose ambulante com um pé em Curitiba. Como sempre, Lula quer imputar todos os maus feitos aos outros, como costuma fazer com os “amigos”. A verdade é que eles devastaram o país e deixaram encomendado o agravamento da crise e do desemprego, destruindo todas as conquistas sociais iniciadas no Plano Real. Sob o pretenso mote de defesa dos pobres, Lula nada mais quer do que o imp ossível: evitar sua inevitável associação ao fracasso da aventura que lançou o país na maior recessão da história.
Aos brasileiros é legítimo pensar, como disse Drummond, “de que valeu (vale) o tudo deste nada”. Valeu e vale muito. Claro que o parto está sendo difícil. Os reacionários, os conservadores, os que expropriam recursos públicos sob o manto de privilégios inaceitáveis – chamados por eles de “direitos” – e pela corrupção, querem que tudo mude para que tudo fique como está. Mas a mudança real virá, porque este é o desejo da sociedade brasileira. Vamos desbloquear o Brasil. Libertá-lo de suas amarras. Vamos tecer com punho firme os caminhos que queremos seguir e, de certa forma, já estamos seguindo.
As vivandeiras sempre existirão, eximidas de responsabilidade e de quaisquer compromissos a não ser a repetição sobre o que de ruim está acontecendo e de projeções apocalípticas. Cabe ao Congresso Nacional, que cumpriu seu papel ao ter evitado o precipício com o afastamento do lulopetismo e contando com a vontade manifesta do Presidente em fazer as reformas, não perder a perspectiva de traçar o caminho para um futuro com crescimento econômico consistente. Cedo ou tarde virão os resultados positivos de atos de coragem e senso de responsabilidade. Do contrário, será dar razão àqueles que tanto agora quanto no futuro querem viver do passado. E isto não interessa à grande maioria dos brasileiros. O parto é difícil, mas certamente nos levará a uma sociedade de mais igualdade de oportunidades, mais solidária, com um Estado efetivamente democrático para todos e que não seja um empecilho para os que querem trabalhar e melhorar a vida de suas famílias.
* Artigo do presidente do Instituto Teotônio Vilela, José Aníbal, publicado nesta quarta-feira (5) no Blog do Noblat