Lívia Araújo
Primeira prefeita eleita em Pelotas, maior cidade da Metade Sul do Estado, Paula Mascarenhas (PSDB) recebeu 59,86% dos votos válidos, representando a continuidade da gestão tucana do prefeito Eduardo Leite, que não concorreu à reeleição.
O grande desafio de Paula foi lançado na atual gestão: ampliar o alcance do tratamento de esgotos, que atualmente só chega a 18%. A alternativa para cobrir os custos de R$ 400 milhões necessários para a universalização do saneamento pode vir de uma Parceria Público-Privada (PPP), em fase de estudos de viabilidade e aguardando aprovação da Câmara Municipal. “Eu não sou apaixonada por PPPs, mas eu quero resolver os problemas.”
Também em nome de melhorar o serviço público em pontos prioritários das gestões municipais, como educação e segurança, Paula indica uma postura diversa ao polarizado cenário nacional: convidou a ex-petista Esther Grossi para a Secretaria da Educação e, sobre o atual secretário de segurança de Canoas, Alberto Kopittke (PT), diz que, “se ele quisesse ir para Pelotas, iria para me ajudar a melhorar a vida lá”. “Quando uma dessas pessoas (do PT) tem um projeto que me interessa, e não é uma pessoa sectária, então não tem nenhum problema de convidar”, explica.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, a tucana, que ingressou na política trabalhando com o ex-deputado estadual e ex-prefeito de Pelotas Bernardo Souza (PPS, falecido em 2010) também falou sobre a importância do patrimônio histórico pelotense, anunciado a possibilidade de o Castelo Simões Lopes virar um “museu do arroz”, além de apostar no conceito de “cidade das pessoas”, para justificar investimentos em mobilidade urbana voltadas à melhoria do transporte público e ao uso da bicicleta como meio de transporte.
Jornal do Comércio – Candidatos do PSDB, como Nelson Marchezan Júnior, em Porto Alegre, se elegeram com o discurso da gestão e austeridade. Como vê isso?
Paula Mascarenhas – O valor da gestão é incontornável. Estamos vendo exemplos da má gestão que acabam recaindo sobre o cidadão, a sociedade. Durante muito tempo, o Brasil foi se esgotando de vários governos – de vários partidos, ninguém escapa – muito irresponsáveis ao longo do tempo. Gastaram mais do que arrecadaram.
JC – O enxugamento da máquina pública basta? Cortar Cargos de Confiança (CCs) e diminuir secretarias?
Paula – Não basta. Isso são medidas austeras, que podem ser importantes em um momento de crise, em que falta dinheiro. É a regra básica para a vida de qualquer pessoa, de qualquer família, quem dirá do Estado. O equilíbrio fiscal é essencial, mas não é a solução em si. A meta não é austeridade: é oferecer serviços públicos de mais qualidade para a população. Austeridade é talvez um mecanismo necessário para isso, para que a gente possa chegar nas políticas públicas, entregar serviços públicos de qualidade para o cidadão, especialmente para quem mais precisa do Estado, que são os primeiros a serem punidos quando o Estado falha, quando há o desequilíbrio.
JC – Nesse sentido, como será o cenário financeiro em Pelotas durante o seu mandato?
Paula – Temos o município equilibrado, mas a gente sabe muito bem que o ano que vem será um ano ainda mais difícil do que esse. Teremos R$ 30 milhões a menos de retorno do ICMS. O meu desafio é poder manter as políticas públicas e as obras públicas que estão em desenvolvimento. O tempo da sociedade e o tempo dos governos se desencontrou de uma maneira muito nociva. Meu desafio é dar seguimento a essas obras nesse momento de dificuldade. Vem o dinheiro federal, e a gente já tem as contrapartidas, e, ao mesmo tempo, com a prioridade na saúde e na educação.
JC – Quais os planos de sua gestão, e o que irá ser continuado da gestão atual?
Paula – A novidade é a criação da Secretaria de Segurança Pública, que não havia no governo Eduardo (Leite), embora a gente já investisse R$ 400 mil por ano nisso, com o policiamento comunitário. Agora, quero integrar, fazendo disso uma política transversal de governo, que vai passar pela Secretaria de Educação, Saúde… na educação, ampliando os projetos de turno inverso, atraindo as crianças e os jovens para coisas boas na escola, esportes, artes, cultura. Na saúde, trabalhando muito com a questão da recuperação do usuário de drogas, que é um elo importante em uma cadeia criminosa que mata jovens. Nos serviços urbanos, melhorando a iluminação pública. Todas as secretarias vão ter uma área voltada para isso, com a Secretaria de Segurança coordenando e a Secretaria de Justiça Social (onde está a questão da segurança hoje), com uma atuação muito grande em áreas mais carentes, em famílias mais frágeis, que podem vir a produzir ou criminosos ou vítimas da violência. A gente tem que identificar isso a tempo de poder salvar, resgatar essas crianças.
JC – Uma das questões centrais de Pelotas é o saneamento. Como está a questão da parceria público-privada que a atual gestão tinha intenção de fazer?
Paula – A questão da água está bem encaminhada, estamos construindo uma estação de tratamento de água que vai pegar água do canal São Gonçalo, de onde Pelotas não tira água hoje. Isso vai nos dar uma autonomia de, no mínimo, 30 anos. É uma obra da prefeitura via PAC-Saneamento. Mas no esgoto há um problema seríssimo em Pelotas: hoje coletamos 60% e tratamos 30% desses 60%, ou seja, tratamos 18% do esgoto produzido. O resto é jogado no canal São Gonçalo, que deságua na Lagoa dos Patos. Temos, pelo Plano de Saneamento de Pelotas, a previsão de investimento de R$ 400 milhões para universalizar coleta e tratamento. A prefeitura não tem esse recurso nem programas federais. Não sou apaixonada por PPPs, mas quero resolver os problemas. O prefeito Eduardo começou o processo, já foi feita a publicação, as empresas já se inscreveram, temos estudos. Agora, estamos na fase de contratar, por licitação, uma equipe de técnicos especialistas para avaliar o estudo, ver a viabilidade e, aí sim, publicar o edital de licitação para a PPP. Enquanto isso, estamos na Câmara de Vereadores para uma revisão da lei que não foi aprovada ainda. Espero que as chances de aprovação sejam maiores do que já foram.
JC – Como avalia as mudanças após a licitação no transporte público? E quais são as outras ações na mobilidade?
Paula – Essa foi uma das maiores conquistas do nosso governo, a licitação do transporte coletivo, feita pela primeira vez na cidade. As empresas da cidade, que já prestavam o serviço, agora passam a fazê-lo com regras estabelecidas, direitos e deveres que antes não havia. Tudo isso também significou 110 novos ônibus na frota, que é de 200; mais de 50% dela foi renovada, que era uma das maiores queixas da população. Esse é um dos caminhos para a mobilidade urbana moderna. A gente tem que investir também em transportes alternativos, como a bicicleta, e investimos muito em ciclovias. Temos mais do que Porto Alegre: são 55 quilômetros. Não adianta as pessoas adquirirem veículos, não tem como a cidade se adaptar a isso, a cidade é das pessoas, e não dos veículos, então a gente tem que estimular esse tipo de coisa, e esse é um dos caminhos, estimulando o transporte público.
JC – Pelotas tem um patrimônio histórico muito rico. Como pensa para o seu mandato essa questão?
Paula – Pelotas é uma cidade que tem um patrimônio riquíssimo. Dos anos 1980 para cá, a consciência de preservação foi se criando, se desenvolvendo, e investimentos foram sendo feitos. A região Central, no entorno da praça Pedro Osório, recebeu recursos. Tem o Theatro Sete de Abril, que está em reforma. A gente já fez a primeira parte, mas está sendo muito mais lento do que se imaginava. Projetos tiveram que ser refeitos, os orçamentos aumentaram, e estamos negociando a segunda parte com o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). É um dos meus desafios, temos que conseguir acertar com o Iphan esse novo orçamento. É um dos teatros mais importantes do País, a expectativa é de conseguir, daqui um ano e meio ou dois, ter o teatro recuperado e entregue. Temos buscado outras alternativas criativas, o PAC-Cidades Históricas não deu conta. O Castelo Simões Lopes é um exemplo, estava listado como prioritário, e foi cortado, porque ficava longe do Centro, mas ao mesmo tempo, um prédio antigo do Banco do Brasil (BB), que fica na esquina da prefeitura, é o único que naquele entorno não está restaurado. Para o Castelo Simões Lopes achamos uma solução jurídica. Vamos trabalhar com o uso criativo. Ele será restaurado e se abrirá, provavelmente, um museu do arroz ligado ao Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga). O prédio do BB ou a gente vai vender, exigindo a recuperação, ou fazer uma coisa desse tipo.
JC – Estamos vivendo em tempos de polarização ideológica, e houve o convite à ex-petista Esther Grossi para a Secretaria da Educação. Como vê essa questão?
Paula – Um bom governo é formado por boa técnica, boa política e boa comunicação. Estou tentando montar um governo técnico e político, mas também sem preconceitos ideológicos. Sou crítica ao PT, mas reconheço no PT e em todos os partidos gente boa e gente ruim, reconheço pessoas de qualidade, e quando uma dessas pessoas tem um projeto que me interessa, e não é uma pessoa sectária, então não tem nenhum problema de convidar. Estive, outro dia, conversando com a Esther Grossi, que é uma referência na educação, fez doutorado com orientação do Jean Piaget, tem um projeto de alfabetização supereficiente, ela oferece inclusive consultorias. Canoas é um bom exemplo, tem dado resultados, conversei muito com o Alberto Kopittke, que é secretário lá. E, se ele quisesse ir para Pelotas, iria para me ajudar a melhorar a vida lá. Estou conversando com ele e fiquei muito bem impressionada com esse exemplo, quero buscar outros. Se a gente vai entrar na área da segurança em Pelotas é para fazer a diferença, não é para fazer discurso político.
JC – O PSDB teve uma ascensão considerável no Estado. Acredita que foi pelo papel do PSDB no impeachment, ou mais pelo discurso de austeridade?
Paula – Difícil dizer, porque eu não vivi as campanhas eleitorais em cada município. A minha impressão é que não tenha relação direta com o impeachment. Em Pelotas, certamente não teve. A minha eleição tem a ver com o reconhecimento de um trabalho. Também com o fato de que os outros partidos fizeram uma leitura da realidade, com todo o respeito, desconectada da realidade. As pessoas querem mudança, mas os partidos tradicionais em Pelotas escolheram velhas figuras: um que já tinha sido prefeito duas vezes, e preso por problemas (Anselmo Rodrigues, do PDT), uma candidata que é deputada (Míriam Marroni, do PT), cujo marido (Fernando Marroni) já concorreu cinco vezes. Acho que essa combinação do reconhecimento do governo Eduardo, com essa busca pelo novo, é que garantiu a minha eleição.
JC – Isso tende a dar força para o PSDB no nível estadual? Há chance de o Eduardo Leite se candidatar em 2018 ao Piratini?
Paula – O Eduardo é um excelente gestor público, porque não é fácil administrar Pelotas. Então ele sai com uma força política muito grande, pelos seus méritos pessoais e administrativos. E daí as pessoas começam a especular, mas o projeto dele não era esse, em princípio ele será candidato a deputado federal. Mas acho que, se fosse candidato, seria um grande governador, pelo que conheço dele. Não sei se desejo isso para o meu amigo Eduardo, mas sei que ele seria um grande governador.
JC – Como primeira mulher a assumir a prefeitura de Pelotas, como vê a participação feminina em eleições e dentro da administração pública? Tem intenção de aplicar paridade na gestão?
Paula – Sim e não. O que eu procuro é qualidade, eu preciso encontrar pessoas em quem eu confie. Dificilmente, consegue-se 50% de homens e de mulheres nessas condições. Também não acho que me elegi por ser mulher, mas acho muito bom que as mulheres ocupem espaços na política. Acho importante termos visões femininas e masculinas dentro de uma administração pública. Acho que equilibra, dá um caldo bom. Eu quero ter, no mínimo, três secretárias. Se eu tivesse oportunidade de ter mais mulheres, teria. Estou procurando, conversando com pessoas e procurando perfis. Se eu falhar, não faltará alguém que diga que era mulher e é por isso que falhei. E se eu acertar, pode ser que tenha alguém que diga: “acertou, apesar de ser mulher”. Infelizmente, a gente ainda vive nesse mundo. Quero muito representar bem as mulheres. E, sobretudo, representar bem a política, poder fazer uma política diferente, estar à altura da expectativa que a população depositou em mim.
PERFIL
Paula Schild Mascarenhas nasceu em Pelotas em 8 de fevereiro de 1970. Em 1990, licenciou-se em Letras pela Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) e fez mestrado e doutorado em literatura francesa pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). É professora-adjunta da Ufpel desde 1993. Foi também a primeira presidente do Instituto João Simões Lopes Neto, onde atuou por nove anos. Atualmente é conselheira da instituição. Em 1998, ingressou na política fazendo campanha para o ex-deputado estadual Bernardo Souza (PPS), passando, em 1999, a trabalhar como assessora dele na Assembleia Legislativa. Em 2000, filiou-se ao PPS. Em 2004, passou a trabalhar como chefe de gabinete, quando Souza foi eleito prefeito de Pelotas. Após uma volta à vida acadêmica em 2006, em 2011 aceitou o convite de Eduardo Leite (PSDB) para ser vice em sua chapa à prefeitura da cidade, que saiu vencedora. Filiou-se ao PSDB em 2015. Junto com o cargo de vice-prefeita, foi secretária interina de Educação e Desporto. Concorrendo à prefeitura de Pelotas em 2016, Paula venceu a disputa no primeiro turno, com 112.358 votos.
*Publicado originalmente na edição do dia 05 de dezembro do Jornal do Comércio