Cadeirante há mais de 20 anos, Mara ainda se esforça para recuperar seus movimentos (ela já consegue movimentar parcialmente os braços) na mesma medida em que briga, diariamente, para sensibilizar a sociedade pela inclusão de todo e qualquer cidadão. É através de pequenas vitórias que se vencem os maiores desafios. E ela já provou, tanto na política, como na vida, que ela não se intimida diante dos obstáculos. É com essa mulher extraordinária que conversamos hoje.
Selene Ferreira– Mara, quando foi a primeira vez que você pensou em entrar na política? O que a encorajou e que entraves encontrou desde que se decidiu?
Mara Gabrilli– Depois de um tempo que havia sofrido o acidente de carro que me deixou tetra, resolvi fundar uma ONG que apoiasse atletas com deficiência e angariasse pesquisas com células-tronco. Foi então que fundei Projeto Próximo Passo, que hoje é o braço direito do Instituto Mara Gabrilli.
Nesta época, quando fundei A ONG, eu não pensava em política. Quando comecei a batalhar no PPP, vi a dificuldade de várias pessoas com deficiência que viviam à margem de direitos: não tinham acesso a transporte, não podiam trabalhar, não tinham condições de comprar um tênis para treinar. Naquele tempo, mesmo não envolvida na política, eu já buscava mudanças e acabei me tornando conhecida.
Minha mãe, que acompanhava toda essa mobilização, passou a insistir para que eu me candidatasse a um cargo público para ampliar meu trabalho e assim poder ajudar mais pessoas – de forma concreta e direcionada. Foi a partir desse cenário, sem apoio e conhecimento político, que resolvi candidar-me a vereadora de São Paulo. A surpresa foi muito agradável, pois em primeira eleição já obtive votos que me garantiram a suplência.
Nesse ínterim, acabei sendo convidada pelo então prefeito, José Serra, para comandar a primeira Secretaria da Pessoa com Deficiência do país. Dois anos depois, assumi a cadeira que vagou na Câmara Municipal de São Paulo e passei a legislar pelos paulistanos com deficiência. Na bagagem, pouca experiência, mas na mente e coração, muita vontade de transformar a cidade e a vida das pessoas.
SF – Quando veio a privação dos movimentos você sentiu na pele a realidade dos portadores de deficiência e empunhou a bandeira de brigar pela acessibilidade. Antes do acidente alguma vez você, como publicitária já tinha parado para pensar nesse problema?
MG – A diversidade humana sempre me instigou. Muito antes de ser uma pessoa com deficiência, eu já me interessava pelo assunto. Na infância, estudei com um menino que era amputado de uma perna. E ele era o primeiro da turma na corrida de velocidade. A convivência com o João foi muito positiva para mim. Mais tarde, quando fui morar fora do Brasil, trabalhei como cuidadora de um idoso e em um acampamento para pessoas com deficiência. Nesta época também cuidei de uma jovem tetraplégica. E quando estudava psicologia, estagiei em uma escola de alunos com deficiência intelectual. Foi um grande aprendizado.
Certa vez, quando já estava formada em publicidade e propaganda, fui atrás da deputada Célia Leão, também cadeirante, para que me ajudasse a conseguir um ônibus adaptado para levar um público com deficiência a um evento que eu estava trabalhando.
Enfim, a convivência com as diferenças sempre fez parte da minha vida. E de forma muito natural. O que mudou é que ao entrar na vida púbica, eu passei a trabalhar no âmbito político por essas pessoas. Ou seja, minha energia passou a ser canalizada de outra maneira, mas ela sempre existiu.
SF – Você também é psicóloga. Isso a ajudou emocionalmente quando perdeu os movimentos? É incrível a sua força de vontade em relação à sua missão e a você própria sempre firme na fisioterapia nestes 21 anos como cadeirante. Qual é o segredo pra se manter tão firme?
MG – A formação em psicologia foi muito importante para mim. Depois da tetraplegia meu primeiro emprego foi em uma clínica. Eu atendia diversos pacientes e muitos sequer davam conta da minha deficiência.
Foi um momento muito importante na minha vida, pois foi ali que o foco saiu de mim e eu pude me doar ao outro. Ouvir e entender outras realidades te proporciona outras perspectivas e referenciais para viver. Mas acredito que o mais importante em todo esse processo de aceitação foi nunca ter condicionado a minha felicidade à volta dos movimentos. Eu não deixei de buscar bem estar e felicidade por não andar, ao mesmo tempo em que nunca desisti.
SF – Você conquistou no seu caminho político como secretária, vereadora e deputada não só a admiração dos eleitores, como o respeito dos colegas… Logo que chegou sentiu-se de alguma forma discriminada? Você acha que os políticos do congresso podiam imaginar o quão participativa e guerreira você seria inclusive em outras questões que extrapolam a qualidade de vida aos portadores de deficiência?
MG – O que ocorreu no inicio da minha trajetória era a completa falta de informação sobre o tema “pessoa com deficiência”. E talvez seja dessa ignorância (de falta de saber mesmo) que esse e outros preconceitos se engendrem. Na época em que comecei a trabalhar por inclusão o que reinava era a visão assistencialista. E essa foi a primeira barreira a ser derrubada. Claro que falta muita coisa, mas graças a um trabalho pautado em grande parte na informação, muitos gestores já entendem que a pessoa com deficiência é um agente ativo na sociedade e não alguém que deva ser tutelado pelo Estado.
Hoje, saber que sou respeitada pelo meu trabalho me traz uma sensação maravilhosa. Quando vejo também que as pessoas com deficiência estão sendo incluídas em várias esferas da sociedade me fico muito feliz. A sociedade está mudando o olhar para o assunto. Está mais atenta para o universo. Recebo alunos em meu gabinete interessados em saber das leis, dos direitos das pessoas com deficiência. A concepção sobre o assunto está mudando. E isso é muito bom.
SF – Você faz parte da minoria feminina na Câmara Federal…. Ao seu ver, por quê a mulher que é maioria na população não elege mais mulheres para representa-la e mudar essa desproporção no Legislativo?
MG – Hoje essa representatividade da mulher na politica ainda é pequena. Mas a questão não é só de espaço, mas também de interesse. Atualmente, já existe a reserva mínima de 30% das vagas de candidatos mulheres para cada partido, mas ainda não trouxemos essa porcentagem para dentro dos parlamentos. A bancada feminina do Congresso Nacional tem 10,77% das cadeiras – 13 senadoras (16,05% das 81) e 51 deputadas federais (9,94% das 513).
Mesmo com avanços, os partidos políticos ainda continuam redutos masculinos e a política ainda se mostra como um ‘jogo sujo’. Acredito que isso desanime muitas mulheres a se filiarem a um partido. Contudo, já existe um número grande de lideranças femininas, sobretudo nas periferias, que lutam por inclusão de pessoas com deficiência, melhoria de escolas, entre outras demandas de suas comunidades.
SF – O que é mais difícil hoje de encarar no convívio com políticos no Congresso?
MG – Acho que são duas coisas. A primeira são as falas mentirosas no plenário, que nem o próprio deputado que está discursando acredita; são aqueles mantras utilizados por alguns deputados, discursos clichês que já caíram em desuso. Chego a sair do plenário de tanto desgosto. E outra coisa é aquele deputado que está lá para resolver os problemas pessoais dele e não os da população.
SF – A cassação (e prisão) do Cunha trouxeram que impacto ao meio parlamentar?
MG – A prisão do Cunha trouxe um aviso de que ninguém está acima da lei, não importa quem seja. Se fez coisa errada, se praticou corrupção, tem que ser preso, tem que ir pra cadeia
SF – Como você se divide entre a vida pessoal e agenda política?
MG – Uma coisa muito importante na minha vida pessoal são os exercícios físicos diários que realizado para manter meu corpo em movimento e com energia para aguentar a agenda política. A maior parte desses exercícios são com aparelhos à base de eletroestimulação. Nesse sentido, vou tentando encaixar os movimentos antes, durante e depois do expediente.
SF – Você acredita que uma maior participação das mulheres na política pode ajudar na esperança de um país mais humanizado e menos corrompido pelos interesses pessoais de representantes mal escolhidos pelo povo?
MG – Acredito que não só mulheres, mas todas as diferenças. Quanto mais diversidade você tem, mais você representa uma população. Ainda temos um Congresso muito formatado e engessado que não representa toda a sociedade e sua gama de diferenças e necessidades. E isso vai muito além da questão de gêneros. Embora tivéssemos uma presidente mulher, e com várias ministras, ela nunca chamou as mulheres para conversar.
*Fotos: Alexssandro Loyola/PSDB na Câmara e Google FreeShare
**Publicado originalmente no site de Selene Ferreira, clique aqui para ler no endereço original.