Ícone do site PSDB-Mulher

Falamos com várias avós sobre como era sua vida sexual

Se você está aqui é porque sua avó transava com seu avô. Como eles faziam? Elas nos contam
SABINA URRACA
21 NOV 2016 – 20:12 BRST

Meryl Velasco e amigas

Ajudei minha avó Juana a tomar um banho. Para ela, tudo que havia entre as pernas, na frente e atrás, se chamava bunda. Virei-me, dando-lhe intimidade para que se lavasse. Ela então disse, com aquela franqueza cômica com a qual tratava os temas sexuais: “De tanto ter filhos, não tenho buracos separados. Acho que tenho um só grande por onde sai tudo junto. Eu não sei muito bem o que tem aí, porque nunca vi”.

Imaginei minha avó, atrás de mim, com um poço insondável entre as pernas. Esse poço era, na realidade, uma lagoa de repressão e desconhecimento. Minha avó me disse, certa vez, que ela “não se entendia muito bem” com meu avô. Mesmo assim, muitos pontos de sua vida se atêm à norma social da época. O corpo como ente impuro, maldito segundo as palavras da Igreja, o olhar de Cristo e da sociedade sempre presentes, a mão que afasta a do noivo, a virgindade, o sangue e a ameaça de pecado constante, tudo isso confluindo nesse buraco de mistério.

Ernesto García e Juana Rosa Hernández

“Eu nunca tinha visto um pinto duro e lembro que não conseguia parar de rir. No dia seguinte não conseguia olhar na cara de ninguém”

A primeira desgraça

Assim a mãe de Angelita chamou a primeira menstruação de sua filha. Esta mulher de 90 anos, nascida em Badajoz, recorda o cheiro do quarto quando sua mãe as proibia de tomar banho nesses dias. “Às vezes, se havia baile e estávamos com o sangue, não nos deixava ir.” As regras eram o primeiro aviso de perigo. Seu corpo se tornava um templo que você devia proteger. Mas, como é possível ser guardiã de um templo se você não sabe que tipo de perigos pode enfrentar?

Carmen Baladrón, espanhola de Madri, de 70 anos, afirma: “Tudo era muito cru, porque éramos ignorantes, escravas do ‘você logo vai saber'”. Como tudo o que se relaciona aos processos do corpo, a menstruação era um tema das saias para dentro. Meryl Velasco, de 67 anos, nascida em Donostia, lembra cenas que encheram sua infância de mistério: “Minha tia fez uma bata para minha mãe e esta lhe disse: ‘Esta cor tão clara não me convence; pode manchar, você já sabe de quê’. Ao ver que eu estava escutando, cortaram a conversa”.

Flertar

Esse verbo carregado de maldade, flertar, foi o que usaram as freiras do colégio para informar o pai de Mari Carmen Grande que sua filha passeava com meninos ao sair do colégio. A Igreja, guardiã da moral na Espanha franquista, se encarregava de ficar de olho em cada um de seus fiéis, apesar de nesse caso se tratar de uma criança de doze anos que ainda não sabia de onde vinham os bebês. No entanto, uma espécie de força invisível fazia as meninas temerem o simples contato. Meryl Velasco lembra que quando criança nunca tinha tido uma conversa com um menino que não fosse de sua família. “Se um menino me pegava pela mão, sentia até enjoo.”

Carmen Baladrón expõe a falsa moral da Igreja: “Um padre nos mandou ir a sua casa para pegar os resultados de um exame de religião. Meu pai, quando soube, foi conosco. O padre ficou assustado ao vê-lo. Veja só, o que o padre ia querer para nos mandar ir buscar os exames em sua casa?”. A família, sem saber que o caçador estava tão perto, formava uma jaula de proteção e vigilância em torno da pureza da jovem. “Pouco antes de me casar”, lembra Meryl, “fui uma noite com meu noivo arrumar o apartamento que tínhamos comprado. Quando voltei para casa, meu pai caiu em cima de mim, e me chamou de puta para cima”.

A nonagenária Angelita ri lembrando seu primeiro beijo, que deu em quem foi seu marido, falecido há 30 anos. “Você não vai acreditar, mas foi no dia do casamento, na frente da família. Pensei: que beijo mais difícil”.

Teresa, trinta anos mais jovem que Angelita, viveu uma realidade mais aberta do que a normal. Mudou para Madri saindo de sua Soria natal, e compartilhava um apartamento com amigos. É a única de todas as entrevistadas que lembra de falar com amigos sobre sua vida sexual. Para as demais entrevistadas, de uma forma natural, o muro entre vida íntima e vida social ficava claramente delimitado. Sobretudo em um assunto tão delicado como ‘a entrega da flor’.

A flor

Carmen Baladrón ri quando lhe pergunto por sua perda da virgindade: “Meu marido dizia brincando: ‘Há quem case por ter transado. E eu me caso para transar, porque esta mulher não me deixou provar nada'”. Mari Carmen Grande concorda com ela: “Era preciso morrer virgem e mártir. E minha mãe era muito dura com isso, de escopeta e cachorro, como costumo dizer”.
Juana Rosa Hernández e sua mãe

Havia algumas mais informadas que outras, mas, para quase todas as entrevistadas, ao se casarem, o véu que ocultava tanto mistério era tirado. A nonagenária Angelita lembra que, na hora H, com seu marido “eu fechava as pernas com força. Pensava que era impossível que aquilo coubesse em mim. Eu nunca tinha colocado nem o dedinho ali dentro, então você já imagina o que era pensar no membro”.

Tanto Meryl como Teresa concordam no choque que tiveram ao ver pela primeira vez um pênis ereto. “Eu nunca tinha visto um pinto duro”, reconhece Teresa, “e lembro que não conseguia parar de rir.” Meryl fala sem rodeios de sua inocência naquele momento: “Não sabia nem onde tinha que enfiar as coisas, se você me entende. Era tudo muito confuso. Foi também muito bonito. No dia seguinte fomos viajar de lua-de-mel para as ilhas Canárias, na Espanha, e eu não conseguia olhar ninguém na cara, porque me parecia que conseguiam ver nos olhos que tinha transado”.

Uma aspirina

Este era, segundo Angelita, um método anticoncepcional: “Uma aspirina bem apertada entre os joelhos. E que não caísse”. Cecilia Novella, cubana residente em Valência, nascida no dia em que começou a Segunda Guerra Mundial, chegou à Espanha com 17 anos para estudar medicina. Vinda de um universo mais liberal, observava com curiosidade a repressão espanhola. Nunca se casou e teve uma vida sexual livre, sendo uma das pioneiras do DIU. Lembra-se dessa Espanha obscura, na qual, na aula de Anatomia, o professor anunciou: “Amanhã as meninas não venham para a aula, que vamos dar a lição do aparelho sexual masculino”.

Carmen Baladrón reconhece que a contracepção era um pântano de desconhecimento: “Não usávamos nada, até que um amigo nos trouxe da França uns comprimidos que eram colocados na vagina. Era muito incômodo, então dávamos marcha ré. Íamos às cegas”.

A gravidez indesejada fora do casamento era um fantasma que pairava sobre os jovens. Teresa Plaza estremece ao lembrar quando acompanhou uma amiga para abortar: “Era um apartamento comum, no meio de Madri, onde uma senhora fazia abortos sem nenhuma condição higiênica”. Mari Carmen Grande lembra de uma colega que ficou grávida solteira. “Tinham sido colocada para fora de casa, então a acompanhei para dar à luz. Vi-a absolutamente perdida, enlouquecida com sua situação. Você podia se tornar uma pária social.”

Seu prazer é seu

Angelita morre de rir quando lhe digo essa frase feminista. “Antes se fazia amor para fazer filhos ou quando dava vontade no marido. Agora se diz que é muito importante que a mulher esteja contente. Eu não sei se tive o gosto pelo sexo, o que se sente. Acho que uma vez ou outra sim”.

Meryl lembra as primeiras sensações daqueles anos: “Havia vezes, antes de você se casar, que beijava e trocava carícias com seu namorado, e você sabia que se continuasse por aí um raio te fulminaria: de um lado, na cabeça por fazer errado, e no baixo ventre porque, se continuasse, era isso o que ia acontecer”. E lembra com um sorriso o longo caminho percorrido: “Éramos autodidatas. Até que não nos saímos mal para a pouca ideia que tínhamos”. Teresa concorda, mas reforça um dado, fundamental para ela: “Nossa liberdade, quase o tempo todo, consistia em saber mentir, inclusive às vezes para si mesma. Você aprendia a mentir aos dez anos e não parava mais. Era nossa única arma”.

*Publicado no Jornal El País no dia 21 de novembro de 2016.

Sair da versão mobile