Em 5 de novembro do ano passado, um mar de 40 bilhões de litros de lama deixou 19 pessoas mortas e varreu povoados inteiros do mapa. A enxurrada de rejeitos da barragem do Fundão escorreu pelos afluentes até desaguar no mar, em Linhares, no Espírito Santo, mais de 650 km depois. Um rastro de destruição como nunca antes visto e cujos efeitos ainda perdurarão por décadas.
As famílias mais diretamente atingidas continuam desamparadas, em especial as de Bento Rodrigues, distrito de Mariana que foi dizimado do mapa. Removidas de suas casas, ainda aguardam o dinheiro da reparação, que virá de um fundo de R$ 20 bilhões a ser constituído pelas sócias da mineradora: a Vale e a BHP Billiton. As empresas e 18 de seus dirigentes foram denunciadas pelo Ministério Público pelo desastre.
A crise fiscal também afetou o tratamento da tragédia. Com a penúria do Estado brasileiro, as verbas que seriam utilizadas para acompanhar os desdobramentos do desastre e estimar a extensão dos danos – algo necessário para definir estratégias de mitigação da destruição – foram cortadas. Com isso, até hoje não foi possível detalhar o tamanho dos estragos na fauna e na flora das regiões devastadas, tampouco o tempo necessário para recuperá-las.
Segundo o Ibama, pouco foi feito até agora para mitigar e recuperar os danos. As obras exigidas da Samarco foram consideradas “insuficientes e atrasadas” em vistoria do órgão: 71% dos pontos estão sem conservação, 62% sem drenagem e 53% sem contenção, de acordo com reportagem do jornal O Globo. Há ainda 102 km de leitos de rios com alta concentração de rejeitos, entre Mariana e o município de Rio Doce (MG).
No país que desde sempre foi o principal produtor mundial de minério de ferro, espanta saber que as condições dos reservatórios destinados a armazenar rejeitos da atividade são fragilíssimas. Segundo o Ministério Público Federal, das 397 barragens de mineração brasileiras, metade tem risco de desastres de proporções similares ou piores que as de Mariana, revelou O Estado de S. Paulo neste fim de semana.
O desastre da barragem da Samarco cobra uma legislação ambiental e mineral à altura do peso da atividade para a economia brasileira – vale lembrar que até hoje arrastam-se no Congresso as discussões em torno do novo Código Mineral. O poder público precisa ser implacável e rigoroso para punir, e previdente para coibir a repetição da tragédia. Mariana não pode tornar-se apenas uma foto feia e cheia de lama pendurada na parede.