Sendo assim, o relato de uma jovem negra estudante de medicina da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) viralizou nas redes sociais, no último fim de semana, ao expor as condições sociais da jovem em contraste com o ambiente acadêmico. Para se ter ideia, o post sobre a jovem no Facebook recebeu mais de 80 mil curtidas e mais de 17 mil compartilhamentos.
Mirna Moreira, de 22 anos, faz parte deste pequeno grupo de 1,5% de alunos negros que cursam Medicina. A estudante nasceu e cresceu no Complexo do Lins, conjunto de favelas na zona norte do Rio de Janeiro, onde vive até hoje com a família. Filha de uma telefonista e de um bombeiro, ela reconhece que hoje ocupa um lugar que é privilegiado se comparado a outros tantos jovens na mesma situação que a dela: negros e pobres.
Confira o relato de Mirna Moreira que viralizou nas redes sociais:
“Quando você mora na favela, é mulher preta, e você quer chegar num determinado lugar, você precisa planejar, porque se não você perde muito tempo batendo cabeça, e a gente não tem nem tempo, nem dinheiro, para ficar na experimentação.
Lembro que quando me perguntavam o que eu queria cursar e eu falava medicina, tinha gente que virava e falava: ‘ah, mas você quer isso mesmo? Você não tem cara de médica’. Uma vez numa aula no pré vestibular, um professor entrou em algum tema de redação, que eu não lembro qual foi, e falou: ‘olha pro lado e me diz quantos negros tem nessa sala. Foi aquele momento que todos os olhares da sala se viraram pra mim.’
O meu maior acerto foi ter assumido minha estética enquanto mulher negra antes de entrar nesse espaço da universidade, eu entendi que é muito importante estar ali porque existe a questão da representatividade, que se estende para fora da academia também. Quando eu visto meu jaleco branco e subo o Morro dos Macacos representando a instituição UERJ, como fiz em uma ação sobre sexualidade na adolescência numa escola pública, e as meninas negras dessa escola pedem para tirar fotos comigo, elogiam meu cabelo crespo, e de alguma forma me veem como referência, eu só tenho mais certeza disso. No dia dessa ação na escola eu voltei no mesmo ônibus que uma aluna, e quando eu desci no mesmo ponto que ela aqui no Complexo, ela perguntou: o que você tá fazendo aqui? Ela não esperava que eu descesse aqui na favela. Eu chorei muito. Isso me marcou demais, até porque eu nunca tive uma representação física e próxima que eu pudesse me espelhar nesse campo profissional, essa mulher, negra, médica. Sabe?
Por isso, principalmente nos espaços acadêmicos, eu faço questão de afirmar que sou do Complexo do Lins. Esse lugar faz parte da minha identidade. Sei da onde eu vim, quem me ajudou a chegar até aqui, e não foi nenhum médico de formação, foi minha mãe que trabalhou como diarista por muitos anos, meu pai que já trabalhou como pedreiro, e que sempre priorizaram meus estudos. Eu sei quem são os pretos que construíram a base pra que hoje eu esteja aqui hoje”.
*Do site Tucanafro