Madri 29 MAI 2016 – 23:44 CEST
“O desafio deste século deve ser construir um novo modelo social mais democrático, justo e igualitário, e para isso, é fundamental que os homens estejam cada vez mais dispostos a questionar o modelo tradicional de masculinidade, a renunciar aos privilégios que recebem do sistema patriarcal, a se libertar do peso de uma masculinidade mal entendida e a se comprometer, junto com as mulheres, de maneira ativa, na realização de um mundo melhor para todas as pessoas, que permita melhorar as possibilidades do desenvolvimento humano”.
Isso foi escrito, em 2011, por Ritxar Bacete, um antropólogo especialista (na própria pele) em igualdade de gênero. Já naquela época, defendia uma sociedade na qual homens e mulheres compartilhassem responsabilidades e poder, e para isso, inevitavelmente eles deveriam renunciar aos privilégios dos quais gozaram durante séculos de patriarcado. Naquele momento, no entanto, ainda não conhecia sua filha de quatro anos, uma sorridente ruiva que mudou sua vida muito mais do que imaginava. A paternidade o conectou ainda mais com suas ideias igualitárias. Desde então, acredita firmemente que se pode construir uma masculinidade transformadora por meio da criança.
“Faz falta um homem diferente, andrógino, que seja quem quer ser, sem represálias”. Ele as sofreu quando criança porque fugiu do protótipo de macho que os grupos do seu povo, no País Basco, consideravam aceitáveis. Entrou em um curso de atividades manuais, e seus amigos não queriam que o frequentasse “porque o professor era afeminado”, lembra Bacete. Ele ignorou a pressão, e o resultado foi que aqueles adolescentes cheios de testosterona mal compreendida quebraram suas criações cerâmicas. Bacete rompeu com seus amigos.
“As crianças são socializadas na violência, para não sentir empatia. É significativo que lhes seja ensinado que não devem brincar com bonecas”, reflete. Por isso, acredita que o verdadeiro avanço dos homens para a igualdade será produzido quando for dado o salto do discurso à ação. “Não basta dizer que é um homem igualitário, tem que se comportar como um”, afirma. “E renunciar à violência”, acrescenta. Por isso, expõe, o movimento anti-militarista – no qual esteve envolvido na juventude – teve a ver com o florescer de grupos masculinos feministas. “Éramos homens que não estávamos de acordo com a violência, éramos homens que não seríamos tão homens”. Isso se acreditava, se dizia e se pensava. Agora, com nuances, também.
“As crianças são socializadas na violência, para não sentir empatia”
Para Bacete, violência é (além de golpes, agressões psicológicas ou sexuais e assassinato) os homens explorarem as mulheres no sentido de que são elas que mais tempo dedicam aos filhos e a casa, e a cuidar dos outros no geral. “Somos cronófagos”, define. “O que acontece? Acontece que os homens não estão interessados na igualdade. Por mais agradável que seja, preferem ter vantagens, principalmente, mais tempo que as mulheres”, diz. Mas algo está mudando nesse esquema no qual eles podem dedicar suas horas a alcançar o êxito profissional ou se dedicar ao seu próprio ócio, segundo o especialista, graças à experiência da paternidade. Sempre existiram pais. O que é diferente agora para que decidam estar mais presentes, envolvidos e mais responsáveis? “O contexto e as mulheres. Agora, elas são mais exigentes”, responde. De fato, Bacete assegura que sua cônjuge o mantém alerta. Ela, feminista, é a “garantia” de que este pai não patine. “Se não fosse por ela, eu relaxaria muito mais”, reconhece e sorri.
Aprofundando os motivos pelos quais não apenas acredita e defende a igualdade, mas também a aplica tão rigorosamente, Bacete analisa: “Trabalhei em cooperação em Cuba, Guatemala, entrei na política no País Basco… pensava que o mundo se mudava a partir das estruturas. Mas me dei conta de que, na realidade, você tem que transformar a si mesmo, e a minha paternidade me mudou”, relata. “E a incorporação dos pais na criação tem efeitos positivos. Por exemplo, as meninas cada vez mais querem estudar carreiras tradicionalmente masculinizadas”, explica. Sua filha, de quatro anos, no entanto, é pequena demais para escolher uma profissão, mas já apresenta características de comando. Pediu aos seus pais para ir a Madri porque quer conhecer Manuela Carmena, prefeita da capital espanhola. “Virou uma referência para ela”, afirma, orgulhoso, como se já a imaginasse uma conselheira ou presidenta do governo.
“Os homens não estão interessados na igualdade. Por mais agradável que seja, preferem ter vantagens”
Em uma sociedade na qual as mulheres dispõem de tempo para alcançar o sucesso, os meninos podem modelar figuras de barro com liberdade e as meninas podem sonhar em serem prefeitas. O que muda para os homens, além da sugerida (e conflituosa) perda de poder? “Que se pode construir uma masculinidade transformadora. A criação da criança é uma oportunidade. É tomar um espaço onde estamos mais suaves. Pressupõe relacionar-se de maneira diferente com o trabalho”, detalha. Do dito ao feito, depois do nascimento da sua pequena, o pesquisador, coordenador de projetos e coach montou seu escritório em casa. “Também um quarto de brinquedos”.
*Publicado originalmente no El País do dia 29 de maio de 2016