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“O valor das liberdades e a força das instituições”: Ademar Seabra da Cruz Jr

 

Ademar Seabra da Cruz Jr

Nunca damos o justo e devido valor às delícias de viver numa sociedade livre, aberta e democrática. Praticamente toda a teoria política, desde Rousseau (com a grande exceção de Marx e de seus discípulos), consistiu num movimento de limitar e de controlar o poder do soberano, submetendo seus atos ao escrutínio da Lei, da moralidade e das instituições. Nesse sentido, é da essência do Estado democrático de direito que o poder seja controlado e exercido conforme leis e princípios, nunca pela vontade dos homens.

Quando os governantes violam as leis e a moralidade, ou quando seus atos visam a ludibriar o controle exercido pela Lei e pelas instituições, há uma pletora de penalidades que lhes podem ser impostas, desde a decretação da inconstitucionalidade de suas iniciativas, a nulidade de diversas medidas (como nomeações contrárias à Lei, por exemplo), a cominação de multas e o afastamento por crimes de responsabilidade, tal como preconizam os art. 85 e 86 da Constituição Federal.

O fundamento do Estado democrático de direito é coibir os abusos dos detentores do poder. A legitimidade do mandato deve vir sempre acompanhada da legitimidade da conduta do mandatário. A legitimidade é algo que se constrói todos os dias, como acertadamente disse, certa vez, um ex-Presidente da República.

No tocante ao sem-número de abusos cometidos durante o atual projeto de poder (desrespeito à lei de responsabilidade fiscal; outorga [e não promulgação] de decretos sem número e sem autorização legislativa; desvios bilionários na Petrobras e em diversas outras empresas públicas; recebimento de doações ilegais, em vultosas quantias, para campanhas eleitorais; tentativas rocambolescas de obstrução da Justiça; aparelhamento da máquina do Estado; incitação à violência; improbidade administrativa [recebimento de vantagens indevidas em função do cargo]; desrespeito aos princípios basilares da administração pública da impessoalidade, da economicidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência – entre diversos outros), cabem às instituições dos Três Poderes (no caso do Executivo, à Polícia Federal, à Receita Federal, ao Ministério Público, à AGU, etc.) reagirem para interromper e punir tais desatinos e desmandos. O impeachment é uma trincheira, uma casamata do Estado de direito e da sociedade ante ao descontrole e à incapacidade de um projeto de poder de guiar-se corretamente, conforme princípios da moralidade e da probidade, no exercício de diversos mandatos.

Muita gente, do Executivo, do Legislativo e do poder econômico, associada aos atuais governo e projeto de poder, está na cadeia.

Desse modo, é de uma bobagem sem tamanho, de uma estultícia, de uma extravagância e de uma inconsistência colossais falar em “golpe” diante desse sarilho de desmandos, de despreparo, de improvisação, de pouco caso com o patrimônio público e com as próprias instituições da República. O STF (cuja maioria de Ministros em exercício foi indicada pelo atual projeto de poder) já decretou que NÃO é golpe; a sociedade brasileira, pelas demonstrações de rua e pelas pesquisas de opinião, também assim entendeu; a fria análise jurídica, política, ética, administrativa e mesmo econômica da situação mostra que o processo de impedimento é legítimo, é necessário e constitucional. Com a última palavra, o Congresso Nacional.

Parece que aos defensores dos atuais governo e projeto de poder só restaram slogans para tentar defender o indefensável.

Impeachment existe apenas nas democracias. Nas ditaduras, nas autocracias ou nos regimes autoritários não há impedimento, com golpes sendo perpetrados todos os dias contra a nação.

Impeachment é a mais elevada e elaborada expressão da filosofia política, aplicada na prática.

*Ademar Seabra da Cruz Jr é Mestre em Ciência Política, UnB; Mestre em Filosofia, Lógica e Método Científico, London School of Economics; Doutor em Sociologia, USP. Professor de Teoria Política e Relações Internacionais. Autor de “Justiça como Equidade” (Lumen Juris, 2004) e “Diplomacia, Desenvolvimento e Sistemas Nacionais de Inovação” (FUNAG, 2011). Este artigo resulta das pesquisas acadêmicas do autor e não compromete as instituições a que pertence.

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