A enfática defesa da presidente Dilma feita anteontem pelo advogado-geral da União, ex-deputado pelo PT paulista José Eduardo Cardozo, em que usou dotes de tribuno para mesclar argumentos políticos e jurídicos, pode não ter alterado as convicções já formadas pela plateia da comissão especial do impeachment. Porém, serviu para confirmar estratégias que serão seguidas pelo governo para tentar salvaguardar os dois anos e meio restantes do segundo mandato da presidente.
Mais uma vez, o governo, agora por meio de Cardozo, buscou realçar o confronto entre o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) — investigado na Lava-Jato, já denunciado ao Supremo, dono de contas bancárias na Suíça escamoteadas do Fisco, persona non grata — e a presidente, também muito impopular.
O Planalto deve esperar que desse choque de impopularidades Dilma ganhe algum dividendo. O objetivo, na verdade, é fazer vingar a tese do “desvio de finalidade”: Cunha, como presidente da Casa, teria acolhido o pedido de impeachment para se vingar da presidente por ela não o ter ajudado a se livrar de processo de cassação no Conselho de Ética. Aceita a tese, todas as sérias infrações à Lei de Responsabilidade Fiscal pelas pedaladas, entre outras denúncias contra Dilma, seriam engavetadas.
O advogado José Eduardo Cardozo usou os conhecimentos jurídicos na tentativa de dar sustentação à tese política de que há um “golpe” em marcha. Missão difícil.
Foi explícito, ainda, ao anunciar que sempre recorrerá ao Supremo ao detectar o que considere atropelo de direitos na tramitação do impeachment. Restou, então, da defesa oral feita por Cardozo na comissão de impeachment, também esta ameaça de judicialização ao extremo do processo de impedimento.
Algo que pode beirar à chicana advocatícia. Como, no exemplo dado por Cardozo, arguir a inclusão da delação premiada do senador Delcídio Cardoso à Lava-Jato ao processo, mesmo que depois ela tenha sido retirada.
É parte do jogo. Mas precisará haver a consciência no STF, e de todos, de que o passar do tempo trabalha contra o país: o conserto da economia vai sendo adiado, os investimentos não reagem, nem tampouco o consumo, e com isso o desemprego, a esta altura já em dois dígitos, não parará de crescer. Com quase um ano e meio de crise contínua, e se agravando, sem qualquer perspectiva real de melhoria, não é momento de se buscar alternativas impossíveis, ilusórias, mas cumprir à risca, o mais rapidamente possível, a Constituição, os ritos, as leis e os regimentos decorrentes dela.
É crucial ficar estabelecido que, seja qual for o desfecho do processo de impeachment, aprovado ou rejeitado, ele tem de ser respeitado por todos. O momento seguinte vai exigir serenidade e espírito público para tirar o Brasil desta seriíssima crise.
*Editorial publicado na edição desta quarta-feira (06) em O Globo