Ao defender a presidente no comitê do impeachment, Cardozo argumentou que “todos fizeram”. Isso é lamentável para um jurista. E nem é verdade. A Lei de Responsabilidade Fiscal, que proibiu operações de crédito com bancos públicos, foi proposta pelo governo Fernando Henrique. Ele não propôs a lei para descumpri-la e sim para estabelecer uma nova ordem na relação entre o controlador e o banco controlado. Teve que lutar pela aprovação da lei à qual o PT se opôs e contra a qual foi ao Supremo. Apesar desta oposição à lei, o TCU não tem registro de que Lula tenha feito essas operações que a sua sucessora fez. E é impossível que os governadores tenham efetuado esta específica operação porque bancos estaduais foram federalizados e privatizados.
Cardozo falou apenas do Plano Safra do Banco do Brasil, mas quando ao fim de 2015 o governo zerou tudo o que tinha ficado pendente de 2014 e 2015 o Tesouro pagou ao Banco do Brasil, Caixa Econômica, BNDES e FGTS. Foram os R$ 72 bilhões pagos no último dia útil de 2015.
O raciocínio do advogado-geral da União é o seguinte: não foram operações de crédito, foram apenas atrasos, não é crime porque todos os outros governantes fizeram, não teve dolo porque não houve má-fé, não foi praticado por ela diretamente, mas pelos seus subordinados. Além de cada parte do raciocínio negar a parte anterior, tem o fato de que ele quer que acreditemos que o ministro da Fazenda e o secretário do Tesouro agiram à revelia da presidente. E que apesar das inúmeras matérias, colunas, artigos alertarem para a violência fiscal que estava sendo cometida, ela permaneceu ignorando os fatos.
Na parte econômica, Cardozo dedicou mais tempo à questão dos decretos de abertura de crédito suplementar, argumentando que todos o fizeram antes, e fazem hoje em outras instâncias administrativas. Citou inclusive o governador tucano Geraldo Alckmin. Pode ser que tenha razão e que, apesar de proibido, tenha virado prática sistemática.
Não faz sentido o argumento de que a meta fiscal nada tem a ver com o orçamento. Não se atinge a meta fiscal se não for através do controle de gastos. Na execução orçamentária há a obrigação de que de dois em dois meses seja feita uma reavaliação de receitas e despesas. O governo Dilma gastou e depois conseguiu no Congresso formas de aceitar o descumprimento da lei. Em 2014, o governo chegou ao ponto de pedir uma licença para nem ter meta fiscal. Ao fim daquele ano, o desequilíbrio era tal que o governo pediu não uma nova meta, mas uma licença para fazer o desconto do tamanho que quisesse na meta. Em 2015, ele aprovou uma meta sob medida para caber todo o rombo que havia produzido.
Se o governo quiser acabar com a Lei de Responsabilidade Fiscal proponha sua extinção e assim terá realizado o projeto que tinha ao entrar na Justiça contra a LRF em 2000. Mas o governo Dilma a desrespeitou e agora diz que não foi nada, foi sem dolo, nem viu, e nem é tão grave assim.
O advogado-geral da União acusou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de ter agido por vingança e usou a imprensa para sustentar seus argumentos. Os jornais de fato registraram os eventos desta forma: ao não ter o apoio da bancada do PT no Conselho de Ética ele anunciou a aceitação do pedido de impeachment. Ele acusou Cunha de “abuso de poder”.
Outra tese que o governo sustenta – e neste ponto Cardozo se apoiou na decisão de Cunha, porque favorece o governo – é que só podem ser considerados atos de 2015. Os juristas que o digam, mas no caso da economia há uma continuidade de eventos. A desordem que ela fez nas contas públicas no fim do primeiro mandato, com o objetivo de ser reeleita, pesa até hoje sobre os ombros do país em forma de inflação, recessão, desemprego e dívida pública crescente.