Brasília (DF) – O PSDB-Mulher encerrou neste sábado (04), em seu IXº Encontro do Secretariado Nacional da Mulher/PSDB, um ciclo de dois anos sob a presidência de Solange Bentes Jurema, alagoana de enormes olhos castanhos e sorriso largo que, em março de 2010, foi signatária de uma cápsula do tempo – documento com um relatório da situação da mulher no Brasil, que só será aberto dentro de 48 anos.
Foram dois anos em que uma feminista histórica, advogada, mãe de três filhos e avó de sete netos, dona de uma carreira sempre voltada para os mais necessitados e para as questões de gênero, trouxe para o PSDB-Mulher Nacional, um novo olhar sobre temas que muitas de nossas tucanas consideravam ultrapassados. Solange Jurema nos lembrou a todas que o feminismo nunca esteve tão vivo e que é dever e privilégio de cada uma de nós levar essa bandeira à frente.
Carreira – Advogada formada pela Universidade Federal de Pernambuco, com especialização em Direito Constitucional e em Mediação e Arbitragem, cursou Gerência Social em Washington (Estados Unidos).
Solange, que sempre pautou sua vida profissional pela preocupação com o universo feminino, foi presidente da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ); esteve à frente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher; foi presidente pró-tempore da Reunião Especializada da Mulher do Grupo Mercado Comum, Mercosul (REM).
Ministra – Em 2002, assumiu a Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher no governo Fernando Henrique Cardoso; mais uma vez pioneira, foi a primeira ministra da Mulher no Brasil.
Procuradora de Estado aposentada, Solange Jurema usou sua vasta experiência em gestão pública a serviço de Alagoas, ocupando a Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social no governo Teotônio Vilela, entre 2007 e 2010. Atualmente é secretária Municipal do Trabalho, Economia Solidária e Abastecimento da prefeitura de Maceió, na gestão de Rui Palmeira (PSDB).
Entusiasmo – Mais do que um belo currículo, o que chama a atenção em Solange Jurema é o entusiasmo, o brilho nos olhos quando ela descreve o projeto em gestação no momento. A felicidade com que conta a história de uma comunidade paupérrima que teve seu cotidiano transformado a partir do cultivo e processamento de um tipo específico de pimenta.
Alegria que transpareceu nos vários cursos de formação política e capacitação para novas lideranças que promoveu em parceria com a Fundação Konrad Adenauer, e usou para transformar a percepção de mulheres das várias regiões do Brasil. Solange lançou mão de sua experiência como gestora e fez acontecer, em um efeito em onda que chegou até as fronteiras, de boca em boca, de mulher para comunidade e de lá, novamente à mulher.
É fácil ver que o que move a presidente do PSDB-Mulher Nacional é a paixão pelo que faz. Sentimento que, mesmo com uma agenda intensa, ela transmitiu ao Secretariado Nacional da Mulher durante os últimos dois anos. Fomos conversar com ela, para fazer um balanço desse período em que aprendemos tanto, e que passou rápido demais.
Bate-Papo
Solange Jurema – Sempre que assumi uma nova missão, uma nova responsabilidade, aprendi muito.
No meu caso, sem dúvida, o que foi mais interessante nos últimos dois anos, foi conhecer a diversidade de mulheres existente por esse Brasil afora. Ter oportunidade de perceber que, apesar da diversidade geográfica e cultural existente, os nossos problemas, as nossas angústias, as nossas dificuldades são as mesmas e ao mesmo tempo tão diferentes.
De Norte a Sul, a ausência do Estado
Uma coisa ficou extremamente clara – prossegue Solange -, as mulheres ainda precisam de políticas públicas que melhorem suas vidas, e estas só acontecem através de partidos políticos ou de quem está no poder. Por isso insisto tanto na importância de maior participação feminina na política e nos partidos políticos.
O que se percebe é que, apesar de haver alcançado muitas conquistas sociais – e o Brasil melhorou, é inegável – o país ainda sofre uma enorme carência de serviços públicos que visem melhorar a vida das mulheres.
Temos que participar ativamente da vida partidária e capacitar cada vez mais as mulheres que ingressam agora no PSDB; assegurar-nos que tenham conhecimento de que, se não tivermos no país acesso a serviços públicos como creches, escolas de tempo integral, serviços de transporte e de saneamento público competentes. Se não tivermos serviços de fornecimento de água de qualidade – no Nordeste, por exemplo, mulheres ainda carregam lata d’água na cabeça – a condição feminina não evoluirá.
PSDB-Mulher – Pode-se dizer então que uma das funções do PSDB-Mulher Nacional nos últimos dois anos, como segmento político, foi conscientizar as mulheres sobre os efeitos da ausência do Estado em seus cotidianos e orientá-las sobre como transformar essa realidade?
Solange Jurema – Sim, porque essa ausência onera o tempo e a vida da mulher. O que dificulta sua vida profissional, suas atividades políticas. Por isso é tão importante renovar o movimento feminista, reivindicar, de acordo com cada época e lugar.
O que se vê é que, no fundo, no fundo, as mulheres, apesar da diversidade – já que a carência, por exemplo, do interior do Amazonas, não é necessariamente igual à de uma mulher do interior do Rio Grande do Sul nem do interior do Nordeste -, todas têm uma dificuldade em comum a enfrentar: o tempo que poderiam dedicar a suas vidas é grandemente prejudicado pelo enorme voluntariado que precisam doar, substituindo a ausência do Estado nos serviços que ele deveria prestar.
Sem dúvida destaco a importância que foi, para mim, conhecer as dificuldades de todas essas mulheres, e durante dois anos promover todos os cursos de capacitação que fizemos, para candidatas e líderes. Mulheres que podem fazer a diferença em suas comunidades e vir a influenciar as políticas públicas de seus municípios, de seus estados e do nosso país.
Não se concebe, em pleno século XXI, que mulheres ainda carreguem lata d’água na cabeça; não se concebe, em pleno terceiro milênio, não se ter creches de qualidade para que essas mesmas mulheres possam deixar seus filhos e exercer com tranquilidade a sua profissão ou um cargo político, saindo candidatas.
PSDB-Mulher – Durante o recente curso de Capacitação para Novas Lideranças que demos em parceria com a Fundação Konrad Adenauer, em Maceió, algumas das participantes disseram achar o feminismo uma agenda vencida. Em sua opinião, qual a causa dessa percepção?
Solange Jurema – Acho que se deve, primeiramente, a uma percepção errada do que é o feminismo, muitas vezes associado a mulheres raivosas, que rasgavam sutiã em praça pública, no que foi um momento de ruptura em que houve realmente necessidade dessa “brabeza”, digamos assim. Não se rompe paradigmas, não se rompe uma cultura milenar, sem um momento de mais força no movimento, e isso aconteceu nas décadas de 1960 e 70.
Tanto tempo passou e ainda hoje, algumas vezes, ainda associam o feminismo a essa mulher enfurecida, que foi superexposta pela mídia da época, intencionalmente, para que as pessoas não se identificassem com o que era ser feminista. Eu mesma quebro todos esses paradigmas; tenho um casamento de 44 anos, tenho três filhos, sete netos, nunca fui agredida, nunca tive na família um opressor.
Não preciso ter passado por essas experiências para saber que ainda existem muitas mulheres que são oprimidas, que sofrem violência. No Brasil, em cada quatro, uma já foi vítima de violência, esta é uma estatística cruel para um país, que precisa ser enfrentada e trabalhada e é uma realidade, não uma invenção nossa, criada para reivindicar direitos.
Nós ainda temos muito poucas mulheres na política, existe um entrave que as impede de participar mais da vida pública nacional. O movimento feminista, portanto, ainda é vivo, ativo e precisa ser cada vez mais, para que possamos de fato alcançar uma igualdade.
Se observarmos os países com mais alto índice de IDH no mundo, é possível perceber que, coincidentemente, todos adotaram maior igualdade de gênero em suas administrações. Não queremos maior igualdade por ser melhor para nós. Contar com mais mulheres na política e mais serviços públicos eficientes é fundamental para o desenvolvimento social, econômico e democrático real do nosso país.
PSDB-Mulher – Fritjof Capra decretou o esgotamento do modelo machista em vigor e prega sociedades igualitárias como meio de alcançar uma sociedade mais justa e democrática. Utopia ou possibilidade real?
Solange Jurema – Possibilidade real. Acho que muitas projeções, incialmente tidas como utopias, posteriormente se transformaram em uma concreta realidade. Isso costuma ocorrer quando toda a sociedade as abraça como causa. Nesse momento elas deixam de ser utopia para ser um ideal, uma meta a ser atingida. E vemos que algumas sociedades já conseguiram alcançar esse estágio.
A cultura machista é milenar, vem da democrática Grécia; na Roma antiga, as mulheres faziam parte do patrimônio de família. Não se rompe um paradigma baseado em conceitos tão arraigados rapidamente, embora já tenhamos avançado em muito. Mas realmente acho que um olhar feminino é diferente do olhar masculino, porque o menino sempre foi criado para a guerra, a luta, para ser forte; já a mulher é criada como cuidadora – nunca vi uma pleitear a guerra, por exemplo, porque o conflito destrói suas crias, são elas quem perdem mais – então acho que essa mistura do olhar masculino com o olhar feminino tem uma construção muito melhor para a sociedade.
PSDB-Mulher – Quais áreas seriam imediatamente beneficiadas, em sua opinião, com a adoção de uma sociedade mais igualitária de gênero no Brasil?
Solange Jurema – Quando reivindicamos por mais espaço feminino na política, é por não entender porque no Brasil as políticas sociais ainda são tão deficientes, falta encará-las como meta principal, objetivamente.
A questão da saúde e da educação, por exemplo. Até que ponto o Brasil, até hoje, considerou estas questões de fato, uma prioridade? No discurso, sim, como campanha política, sim, mas de fato? O que se fez até hoje para melhorar a educação brasileira? E sabemos que melhorando a educação vamos melhorar a saúde, todas as outras políticas públicas são aprimoradas como consequência de um povo que tem acesso a uma educação melhor, mais valorizada. Esse olhar diferente, porque a índole feminina é diferente, nossas prioridades são realmente diferentes beneficiaria sim, rapidamente, a sociedade.
Solange Jurema – Ficou muita coisa por fazer, muito trabalho. Não só nessa questão de ir aos municípios, reunir mulheres, fazendo com que cheguem à política mais conscientes de seu papel; mais seguras do que é ser mulher e do que é ser uma mulher política. E quero destacar que não adianta trazer mulheres que têm o mesmo olhar masculino, e elas existem, muitas assumem o poder com a mesma postura assumida pelos homens. Por isso a importância de mostrar às candidatas e lideranças em nossos cursos quais são as dificuldades da maioria das brasileiras, daquelas que não têm voz, daquelas que não têm vez e que essas mulheres que vão assumir a política podem ser suas porta-vozes.
Ainda há muito que fazer sim, porque o Brasil é muito grande, nós ainda temos muitas deficiências nas políticas sociais, na política econômica. Conseguir informação, levar essa informação a nossas mulheres – faz uma enorme diferença ser atualizada – muitas vezes a pessoa não erra porque quer e sim por não saber fazer de outra maneira, não haver tido contato com conhecimentos que melhorassem seu desempenho como política.
“Em 2016 teremos eleições para vereadoras e prefeitas, poderemos trabalhar intensamente e fazer uma grande diferença”; encerra Solange Jurema, com os olhos mais brilhantes do que nunca, voltados para o futuro.