No âmbito, por exemplo, do combate à violência doméstica, que tem como algozes, em enorme parte das vezes, os homens da família, a concepção de toda política direcionada à segurança das vítimas precisa necessariamente considerar a perspectiva da mulher.
Só o olhar dela poderá configurar as nuances pelas quais se manifesta a agressão, que prejudica, muitas vezes, até mesmo, o raciocínio, a reflexão e a capacidade de expressão, para além da tortura do corpo e dos desajustes da personalidade.
Como poderão ser eficientes leis e ações nessa esfera, se as mulheres, especialmente as vítimas da opressão de gênero, não se manifestam seja pelo voto, seja pelo posicionamento junto a parlamentares e demais ocupantes de cargos de representação política?
Em outro campo, o do mercado de trabalho, a diferença de salários em funções semelhantes e o domínio masculino em cargos de gestão, por exemplo, fortalecem e refletem conceitos equivocados e machistas de que o mérito depende do gênero ou de que a mulher não compete em pé de igualdade por dividir esforços entre a maternidade e o mercado.
Se as mulheres não alcançam, no meio político e jurídico, voz e decisão para trazer reflexão e mudança, como serão revistos conceitos historicamente reproduzidos de geração em geração, sem qualquer estranhamento?
A saúde da mulher e as políticas nessa esfera também padecem de olhar diferenciado capaz de identificar demandas específicas do gênero, desde as práticas preventivas ao trabalho de prognóstico e de socorro adequado.
Quantas não são as vezes em que a dificuldade no acesso a exames periódicos de mamografia inviabiliza o diagnóstico precoce de tumores e que acaba levando inúmeras mulheres à morte país afora? Diante da assustadora associação entre o zika vírus e o desenvolvimento de microcefalia congênita, como ainda são frágeis e inoperantes as ações de prevenção, orientação e apoio a gestantes, especialmente às que dependem da saúde pública?
Para que tantas demandas sejam reconhecidas e incomodem o cômodo alicerce da sociedade machista e exclusivista, as mulheres precisam pressionar a estrutura do Estado e os representantes que o conduzem. E o êxito dessa cotidiana empreitada depende de uma posição, embora reconhecida, altamente revolucionária e pouco praticada: a de que o exercício da cidadania vai muito, muito além do voto.
* Cristina Lopes Afonso é vereadora de Goiânia pelo PSDB e fisioterapeuta especialista em queimaduras.