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Livre após condenação à morte, Sakineh vive sob lei do silêncio no Irã

Foto: Corbis Images

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Às vésperas da eleição, questão dos direitos humanos ainda preocupa e mobiliza ativistas no país e no exterior

POR GRAÇA MAGALHÃES-RUETHER / CORRESPONDENTE

21/02/2016 7:00 / ATUALIZADO 21/02/2016 7:31

Condenada. Acusada de adultério, Sakineh Mohammadi Ashtiani recebeu a sentença de morte por apedrejamento em 2010, mas foi lilbertada após uma forte campanha internacional – STRINGER/IRAN / REUTERS

BERLIM — Condenada à morte por apedrejamento, mas libertada depois de uma onda internacional de protestos contra a sua execução, a iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani continua isolada e proibida de falar. Segundo Mina Ahadi, do Comitê Internacional contra a Pena de Morte, Sakineh e os seus dois filhos, Sajjad e Saeideh Ghaderzadeh, foram pressionados pelo governo iraniano a assinar um documento onde prometem “sigilo absoluto” e estão vetados de dar declarações, sobretudo, com ONGs e imprensa estrangeira. O caso chamou a atenção para violações aos direitos humanos no país, que terá eleições legislativas na próxima sexta-feira.

— Se Sakineh ou os filhos romperem o sigilo, serão condenados ao pagamento de multa equivalente € 200 mil, e ela corre o risco de voltar para a prisão — revelou Ahadi ao GLOBO.

Sakineh foi libertada no final de 2010. Para evitar que a decisão fosse interpretada como vitória das ONGs estrangeiras, o governo iraniano desmentiu a notícia, embora reportagem da própria TV iraniana mostrasse imagens da iraniana com os dois filhos na sua casa de Osku, perto de Tabris, onde esteve presa. A notícia da libertação só foi oficializada em abril de 2014.

Decepção com o Ocidente
Apesar da mordaça, o caso Sakineh é considerado por Mina “uma grande vitória dos direitos humanos”. Sem a campanha iniciada pela iraniana, ex-estudante de Medicina — que fugiu para a Europa depois que o seu primeiro marido foi assassinado pelo regime de Teerã —, Sakineh, que tem hoje 48 anos, teria sido executada em 2010.

Hoje, Sakineh vive com os dois filhos em um lugar desconhecido. Nem seu advogado, Javid Houtan Kian, tem conhecimento do seu paradeiro. Em carta à ONG alemã, ele pede que Sakineh não seja mais procurada:

— Não procurem contactar essa pobre mulher, para que ela não volte a correr risco!

Acusada de adultério e cumplicidade no assassinato do marido, Ebrahim Ghaderzadeh, Sakineh foi condenada em 2006 a 99 chibatadas e ao apedrejamento. Depois que o filho, Sajjad, e o advogado deram entrevistas à mídia estrangeira, os dois também foram presos, mas libertados meses depois. No ano passado, Sajjad ligou uma última vez para Mina agradecendo pela ajuda, mas pedindo para não ser mais contactado.

Para a ativista, o caso Sakineh entrou para a História do Irã porque teve como efeito o fim definitivo da pena de apedrejamento, o que é previsto pela lei islâmica como penalidade para o “delito do adultério”.

— Na verdade, a lei não foi abolida, mas, depois do caso Sakineh, nem o Conselho dos Guardiões nem o líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, são mais favoráveis ao uso da penalidade porque temem a reação internacional — ressalta Mina Ahadi.

A ativista iraniana admite que sofreu uma grande derrota com a execução de Reyaneh Jabbari, em outubro de 2014, pouco antes de completar 27 anos. A ex-universitária, filha de uma diretora de teatro e de um intelectual iraniano, foi condenada à morte quando tinha 19 anos, acusada do assassinato de um médico.

O tio da jovem, Fariborz Jabbari, refugiado político que trabalha em Berlim como motorista de táxi, disse que Reyaneh foi vítima de um grande erro.

— O crime ocorreu em legítima defesa. Reyaneh matou o médico para se defender de uma tentativa de estupro. A família inteira ainda está traumatizada.

Reyaneh Jabbari não é um caso isolado. Segundo Mina Ahadi, mesmo durante a negociação do acordo nuclear, comemorado no mundo inteiro como um marco de progresso nas relações entre o Irã e o Ocidente, dezenas de pessoas foram executadas no país. Nada teria melhorado.

— Os iranianos ficaram decepcionados com o Ocidente, que ignorou por completo o tema dos direitos humanos no Irã — diz o escritor iraniano Abbas Moroufi, que já foi preso e torturado por ser dissidente do regime.

Moroufi foi para a Alemanha no final dos anos 1990 com a ajuda do colega escritor, o alemão Günter Grass, Prêmio Nobel de Literatura de 1999, falecido recentemente.

O clima de depressão é maior porque os iranianos associavam o acordo nuclear com o Ocidente à esperança de uma evolução no país, em termos de direitos humanos e econômicos.

No dia 26, o Irã terá eleições legislativas. Apesar do voto, só pode concorrer quem for aprovado pelo Conselho de Guardiões, que excluiu milhares de candidatos — entre eles, o religioso Hassan Khomeini, próximo aos reformistas e neto do aiatolá Khomeini, fundador da República Islâmica. A dias do pleito, as principais cidades do país são palco quase diário de manifestações de protesto contra o aumento do custo de vida ou por melhores salários. Quase todos os dias, as fábricas param com greve dos trabalhadores.

— A decepção é grande. Nada mudou com o presidente Hassan Rohani, que, antes de ser eleito, era visto como uma esperança de melhora. Nem com o acordo nuclear — afirma a ativista iraniana.

Mais colorido nos véus
Também as mulheres começaram a protestar, embora o regime dos aiatolás ainda não precise temer uma “revolução feminista”. A grande conquista foi um pouco de colorido no véu. Pela primeira vez desde a revolução do final dos anos 1970, os estilistas podem criar modelos diferentes de lenços — alguns deixam até parte do cabelo descoberto. Embora seu uso continue obrigatório, o acessório não precisa mais ser na cor preta.

— As mulheres jovens estão sempre tentando vencer em sua disputa com a polícia religiosa. Usar uma minissaia, como no Ocidente, seria impensável, mas os lenços coloridos não deixam de ser uma conquista — diz Mina Ahadi, que é ateísta e preside também o Conselho Central dos Ex-Muçulmanos na Alemanha.

Publicado na edição de 21.02 do jornal O Globo

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