A presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-DF, Cristina Alves Tubino, conversou com o PSDB-Mulher e defendeu que nenhuma mulher poderia ser responsabilizada por alguma conduta sexual indevida.Confira a entrevista na íntegra:
1. Porque a Comissão da Advogada da secional de Brasília da OAB decidiu se manifestar sobre o caso do estupro da jovem em um réveillon na cidade?
A Comissão da Mulher Advogada da OAB/DF entendeu que era imprescindível se manifestar não sobre o caso noticiado na mídia, especificamente fomos muito cuidadosos quanto à isso, pois os fatos ainda estão em fase de investigação. Ocorre, todavia, que diversas declarações e manifestações foram feitas no sentido de que a mulher, de alguma forma, poderia ser responsabilizada por alguma conduta sexual indevida.
Nesse aspecto é que nos manifestamos. Não podemos admitir que apenas porque uma mulher tenha feito uso de bebida alcoólica, ou esteja em uma festa, ou use determinado tipo de roupa, ou esteja dançando, ela tenha de alguma forma “permitido” ou “estimulado” o avanço sexual de outrem. É uma legitimação da cultura do estupro que temos que combater sempre.
Ressalto que a OAB não se manifestou sobre a responsabilidade ou sobre a culpa do acusado no caso do Réveillon, pois não podemos nos esquecer que até a existência de uma sentença condenatória definitiva, a dúvida deve beneficiar o suposto autor do fato. Vamos aguardar o resultado das investigações.
2. A senhora acha certo o advogado defensor do agressor justificar de que não houve crime porque não houve estupro e sim uma relação sexual consensual?
Quanto ao mérito da defesa do acusado, o advogado está exercendo sua função e desenvolvendo a defesa de seu cliente. Todo cidadão tem direito à uma defesa efetiva, ao contraditório e à ampla defesa. Falando de forma mais ampla sobre o crime de estupro, o elemento que se discute é exatamente esse: se a relação sexual foi consensual ou não. Devo ressaltar, apenas, que a violência para o cometimento do crime contra a liberdade sexual pode ser física ou psicológica; pode ser uma violência real ou uma ameaça de mal grave e possível. E, ainda, podemos ter até mesmo a presunção de que a vítima esteja em uma situação de vulnerabilidade, por exemplo por ter feito uso de bebida alcoólica, e não poder oferecer defesa ou qualquer resistência ao agressor.
Todas essas circunstâncias vão ser analisadas no inquérito policial e, posteriormente, no processo criminal que será instaurado. Tanto o órgão acusador quanto à defesa do acusado terão oportunidade pra apresentar suas provas no caso concreto.
3. A senhora considera que a atual legislação brasileira que trata da punição a agressões contra mulheres suficiente?
A legislação brasileira avançou muito desde a edição da lei Maria da Penha, da edição do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher. Mas, honestamente, não acho suficiente. O IPEA realizou pesquisas que mostraram, que não houve diminuição efetiva da violência doméstica e familiar contra a mulher. O sancionamento, a meu ver, continua sendo muito brando. Vou exemplificar, ainda que a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), proíba o oferecimento de benefícios processuais, como por exemplo, a Suspensão Condicional do Processo, o Judiciário brasileiro tem oferecido o sursis aos agressores. A demora na tramitação dos processos também é um fator complicador.
A lei prevê, ainda, a aplicação das chamadas Medidas Protetivas, ou seja, medidas que tem por objetivo dar maior proteção à mulher vítima, por exemplo, distância mínima de afastamento do agressor; afastamento do agressor do lar do casal, etc. Ocorre que tais medidas não são muito efetivas, pois muitas vezes o agressor às desobedece e a vítima não consegue uma assistência por parte do Estado, seja porque a polícia não a socorre, seja porque demora em proferir decisões.
Por fim, entendo que a luta pelo Direito da Mulher à igualdade, à dignidade e à viver livremente deve ser uma luta da sociedade como um todo. A vítima da violência está muito mais perto do que imaginamos. Podem ser nossas mães, filhas, irmãs, amigas… o estigma e a vergonha de revelar a violência sofrida ainda é muito grande, especialmente porque o normal é que a violência contra a mulher ocorra dentro de quatro paredes, isoladamente e de forma escondida.
A luta da nossa Comissão é para que todas as mulheres, não apenas as advogadas, sejam respeitadas.