A coalizão de grupos da oposição, reunidos na Mesa de Unidade Democrática (MUD), conquistou 99 cadeiras, contra 46 do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), do governo. Ainda não foram divulgados os resultados de 22 assentos, mas, com a diferença já alcançada, a oposição está muito perto de garantir três quintos da Assembleia, o que, teoricamente, lhe permitirá aprovar sanções de censura a ministros e anistiar presos políticos. Também merece destaque a alta taxa de participação dos eleitores, alcançando 74%, índice similar ao de uma eleição presidencial.
Não foi um processo fácil. Com baixíssimo índice de aprovação devido à aguda crise econômica do país – que vive amplo desabastecimento e hiperinflação de três dígitos -, o governo jogou pesado para evitar a derrota nas urnas. O presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, determinou a expulsão da missão de observadores independentes com sete ex-presidentes de países latino-americanos, por “ingerência em assuntos internos”, entre eles, os ex-presidentes Jorge Quiroga (Bolívia), Luis Lacalle (Uruguai) e Andrés Pastrana (Colômbia).
Também houve denúncias de censura aos programas eleitorais da oposição nos meios de comunicação controlados pelo Estado; atos de violência, constrangimento e intimidação de grupos chavistas contra candidatos e eleitores da oposição; entre inúmeras outras irregularidades, que, no entanto, não conseguiram abafar o recado das urnas: os venezuelanos querem mudança. Mas a truculência característica do governo de Maduro – que foi inclusive denunciado no mês passado ao Tribunal Penal Internacional por crime contra Humanidade – gera temores de sabotagem contra uma Assembleia dominada pela oposição.
É uma questão que, mais uma vez, coloca à prova a diplomacia brasileira, que, nos últimos anos, com o argumento de não ingerência em assuntos internos, fechou os olhos para as violações do regime chavista. O governo brasileiro terá inclusive que levar em consideração que Maduro não contará mais com o apoio cego e automático da Argentina, após a eleição de Mauricio Macri, que já defendeu que o Mercosul enquadre a Venezuela na chamada “cláusula democrática”. O Itamaraty deve voltar à coerência da tradição da diplomacia brasileira no que se refere à defesa do estado democrático de direito, caso Maduro e os chavistas tentem desconsiderar a vitória da oposição, por meio de alguma manobra autoritária.
*Publicado no jornal O Globo – 8/12/15