O governo e a presidente irão insistir em dizer que são vítimas de retaliação, revanche, vingança ou chantagem pessoal. É a versão que lhes cabe tentar propagar, depois que falharam as tentativas patrocinadas pelo Planalto e pelo PT de barganhar um acordo com Eduardo Cunha.
O pemedebista foi apenas o instrumento do processo de impeachment. Cumpriu o papel institucional que a Constituição reserva ao presidente da Câmara nestes casos. Seu gesto foi protocolar, cabível a quem exerce o cargo que Cunha ocupa desde fevereiro passado. Sua decisão é apenas a prerrogativa inicial de um processo longo e complexo, sempre dentro dos ritos democráticos.
A decisão que poderá resultar no afastamento de Dilma será tomada de forma colegiada, sob a responsabilidade inicial de 513 deputados e, num passo posterior, de mais 81 senadores. Democraticamente. Caberá, portanto, aos representantes de todos os brasileiros, legitimamente eleitos, julgar se a presidente da República tem ou não condições de continuar no cargo.
À presidente agora cabe defender-se das consistentes acusações que constam do pedido protocolado em outubro por Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaina Paschoal. Em suma: a suspeita de práticas reiteradas de crimes de responsabilidade, ao desrespeitar normas orçamentárias e preceitos fiscais, o que até já ensejou a reprovação de suas contas relativas a 2014 por parte do TCU, e ao omitir-se diante da roubalheira na Petrobras.
A prática de editar decretos autorizando novos gastos (créditos orçamentários) mesmo quando a realidade já era de rombo nas contas públicas repetiu-se neste ano. Também continuaram as pedaladas fiscais – o uso ilegal de dinheiro de bancos públicos para cobrir gastos do governo – e não se dissiparam as suspeitas de negligência da presidente em relação aos casos de corrupção desbaratados quase diariamente pela Operação Lava Jato.
Neste último aspecto, o da leniência em relação aos desmandos na Petrobras, a situação de Dilma hoje é ainda pior que em outubro, quando o pedido dos juristas pelo impeachment foi protocolado. Na semana passada, veio a público a manifestação de Nestor Cerveró, ex-diretor da estatal, de que a petista “sabia de tudo” sobre a ruinosa compra da refinaria de Pasadena. A operação rendeu prejuízo de mais de R$ 3 bilhões à empresa.
O governo vai continuar negando e vai dizer que não são razões suficientes para afastar uma presidente da República. Mas é bom que fique claro que tais atitudes – sejam os desequilíbrios nas contas, a desorganização administrativa ou a omissão diante da roubalheira – estão na raiz da depressão em que o país foi mergulhado por Dilma, Lula e o PT.
A instauração do rito de impeachment é importante por tirar o país do impasse e vencer a catatonia à qual a presidente e seu partido levaram o Brasil. Chegando a que resultado for, a investigação será fundamental para pôr fim à balbúrdia formada por crise econômica, desgoverno, corrupção, carestia e desequilíbrio fiscal que nos assola.
Em seu pronunciamento de ontem, Dilma se disse “indignada” com a abertura do processo na Câmara. Indignados estão os brasileiros, por se verem vítimas de um engodo. A petista pode até não ter roubado, mas, segundo indica a Operação Lava Jato, não deteve a roubalheira. Com sua inaptidão para governar, não está à altura do cargo para o qual foi eleita e reeleita. Não dispõe de condições mínimas para continuar no comando do país.
Ninguém está acima da lei. Crimes têm que ser punidos, ainda mais quando também crescem as suspeitas de que dinheiro da corrupção financiou as campanhas presidenciais do PT, conforme denunciado pela oposição e investigado pela Justiça Eleitoral. Que se cumpram os ritos, que a presidente exerça seu direito de defesa e que a lei prevaleça, em honra à vontade soberana do povo brasileiro. Rigorosamente dentro do que prevê a Constituição. Democraticamente.