O primeiro retrato já feito no País sobre as adolescentes presas revela que, no dia a dia, elas são privadas de usufruir de itens ligados à feminilidade, como maquiagem, e até de absorventes higiênicos. Têm menos visitas íntimas e são mais abandonadas
Fabíola Perez (fabiola.perez@istoe.com.br)
Distraída com um pedaço de tecido e uma agulha nas mãos, S. B., 17 anos, borda seu nome enquanto espera o dia passar. Sentada nas escadas que levam à quadra de esportes da unidade socioeducativa Chiquinha Gonzaga, em São Paulo, a menina de riso fácil está presa há oito meses por roubo e tráfico de drogas. O corpo magro e miúdo se esconde atrás do moletom azul marinho. S. é uma das poucas internas que usa o cabelo solto. Os fios cacheados levemente caídos sobre o rosto roubam um pouco de sua concentração. A jovem interrompe o bordado cada vez que se lembra como era a vida no tráfico. O silêncio e a expressão cabisbaixa, no entanto, vêm quando fala da família. “Minha mãe nunca veio me visitar.” O maior medo da garota é que seu filho, G. L. C., de um ano, não a reconheça mais. “Estou perdendo o começo da vida dele e não sei quando vou embora daqui”, diz. “Meus avós trazem ele todo domingo, mas ele não me reconhece, então entrego na mão de Deus.”
B.F.S., 15 anos, está há quase um ano na unidade Chiquinha Gonzaga, em São Paulo, por roubo e tráfico de drogas. Uma de suas formas de matar o tempo é bordar
- S. é uma das 578 meninas que cumprem medida socioeducativa nas unidades de todo o País destinadas às adolescentes e que, de forma geral, compartilham a mesma realidade: por causa da absoluta falta de atenção às necessidades femininas, as garotas hoje encarceradas no Brasil são proibidas de serem mulheres e, ao mesmo tempo, recebem punições extras – não dadas aos meninos – exatamente por isso. Esta é a principal conclusão que se tira a partir da interpretação da pesquisa “Dos espaços aos direitos – A realidade da ressocialização na aplicação das medidas socioeducativas de internação das adolescentes do sexo feminino em conflito com a lei nas cinco regiões”, coordenada pela advogada Marília Montenegro Pessoa de Melo, professora da Universidade Católica de Pernambuco. Realizado nos estados de São Paulo, Pernambuco, Pará, Distrito Federal e Rio Grande do Sul, o levantamento foi encomendado pelo Conselho Nacional de Justiça e é o primeiro retrato obtido no País sobre as condições da internação das jovens brasileiras. “O confinamento para as mulheres é feito em sistemas pensados a partir da lógica masculina”, afirma Marília.
O primeiro impacto deste equívoco é o sistemático ataque à feminilidade. Na maioria das unidades avaliadas, não há espelhos – caso das instalações de Pernambuco, do Pará e do Distrito Federal. No sistema prisional, esse item é proibido. Trata-se de uma questão polêmica. Há especialistas que defendem a proibição, uma vez que podem facilmente ser transformados em armas ou serem usados por elas contras elas próprias. Mas há quem sustente que isso vale para as presas adultas, e não para as adolescentes. “Essas meninas podem passar até três anos sem se ver. Isso prejudica demais a autoestima”, diz Marília. A solução seria oferecer espelhos de plásticos, como os fornecidos em São Paulo. No Rio Grande do Sul, estão sendo oferecidos espelhos de vidro.
Para ler a matéria na íntegra clique AQUI