Uma das passagens mais conhecidas sobre a presença de Jesus na terra refere-se à frase: “quem não for pecador que atire a primeira pedra”. Conta o evangelista São João que os fariseus levaram a Jesus uma mulher adúltera (na época a mulher adúltera era apedrejada até a morte) e o inquiriram sobre o que fazer com ela. Jesus citou a célebre frase e todos os homens, de mansinho, colocaram – como se diz hoje – a viola no saco e desistiram do apedrejamento.
Faz mais de 2 mil anos que este episódio aconteceu mas é a melhor imagem que pode ser mostrada para analisar a celeuma que tomou conta do país há poucos dias quando a parada gay da avenida Paulista, em São Paulo, a mais famosa da América Latina, exibiu homossexuais usando símbolos religiosos – especialmente a cruz – para se contrapor ao que definem de homofobia praticada por movimentos cristãos, sobretudo evangélicos, nas casas legislativas brasileiras.
É difícil alguém ter razão quando o radicalismo toma conta de uma contenda, seja ela qual for. Muito menos quando ele é arma dos dois lados e, envolvendo também a religião, passa ao largo dos ensinamentos de Cristo, fazendo a abominável intolerância se generalizar.
É isso que se depreende da guerra estabelecida entre as duas correntes desde que a bancada evangélica alcançou números inimagináveis no Congresso e que o Movimento LGBT, sobretudo os mais perseguidos, que são os transexuais, entendeu que a melhor forma de defesa é o ataque.
Terão as paradas o efeito esperado? É possível que sim nos primeiros anos mas, recentemente, a julgar pela última manifestação, o tiro pode estar saindo pela culatra e, ao invés de ajudar na luta contra a intolerância, estaria atraindo para o ringue quem está distante dele. Usar símbolos religiosos nada mais serviu do que para acirrar os evangélicos e puxar para o embate também segmentos da Igreja Católica.
Tudo bem que os transexuais podem ter tido a intenção de denunciar, usando a cruz, a falta de aceitação deles pela sociedade, afinal, quando esteve no mundo, Jesus sempre se postou ao lado dos perseguidos mas atrair os católicos para este celeiro é, sem dúvida, um contrassenso. O próprio papa Francisco na volta a Roma, após viagem ao Brasil, declarou aos jornalistas sobre os gays : “quem sou eu para julgá-los?”. Na ocasião o papa recomendou o uso da misericórdia para com eles e deixou as portas da Igreja abertas para todos.
A postura de Francisco ecoou em todo o mundo e levou um dos principais astros pop e homossexual assumido, Elton John, a afirmar em seu facebook que Francisco é “a melhor notícia dos últimos séculos”. Mesmo não católico, disse que aplaude o papa de pé e concluiu: “Francisco é um milagre da humildade na era da vaidade”.
O cardeal Dom Odilo Scherer pontuou sobre o uso de símbolos religiosos na Parada Gay que isso pode “aumentar o fosso da incompreensão e do preconceito com os homossexuais”, concluindo “ e não é isso que a Igreja Católica deseja para eles, pois também os ama e tem uma boa nova para eles, filhos muito amados pelo Pai do céu, que os chama a viver com dignidade e em paz consigo mesmos e com os outros”.
O tom a mais adotado na Parada Gay deve ser corrigido a julgar pelo que falou a atriz Viviany Beleboni que apareceu crucificada. Ela própria esclareceu que usou a cruz apenas para simbolizar o sofrimento dos transexuais nos dias de hoje.
“É preciso cuidar para não banalizar ou usar de maneira irreverente símbolos religiosos em respeito à sensibilidade das pessoas. Se queremos respeito, devemos respeitar” – afirmou o mesmo Dom Odilo.
Na verdade, em momento de radicalização como o atual, todo o cuidado é pouco para não passar das medidas.
* A ex-deputada Terezinha Nunes é presidente da Junta Comercial de Pernambuco (Jucepe)
**Portal PSDB-PE