Os dois movimentos, que não tinham conexão entre si, acabaram se encontrando quando D. Hélder, ícone da defesa dos direitos humanos no Brasil e no mundo, chegando a ser indicado quatro vezes para receber o prêmio Nobel da Paz, liderou o movimento da Igreja Católica contra o regime de exceção, pregando a não-violência, denunciando internacionalmente a tortura que se praticava no país e levando outros bispos católicos a seguir o mesmo caminho entre eles Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo e D. Eugênio Sales, arcebispo do Rio de janeiro.
Embora tenha sido Dom Hélder a voz mais altiva de enfrentamento ao regime militar, sobretudo depois de maio de 1969 quando seu principal auxiliar, o padre Henrique, foi torturado e assassinado e sua casa foi metralhada no Recife, Dom Paulo Evaristo, mais abertamente, e Dom Eugênio Sales, mais sutilmente, deram abrigo e protegeram pessoas perseguidas pelo regime e ameaçadas de prisão, como ficou provado posteriormente.
Logo na sua posse, quando o regime ditatorial ainda não tinha sido implantado, Dom Hélder já demonstrava que não estava interessado em se cercar de poderosos. No seu discurso de posse, na Pracinha do Diário, defendeu uma igreja simples e próxima dos mais humildes e afirmou “Ninguém pretenda me prender a um grupo… Minha porta e meu coração estão abertos a todos. Cristo morreu por todos os homens: a ninguém devo excluir do diálogo fraterno”.
Naqueles dias em que todos já desconfiavam do levante nos quartéis e as marchas da família com Deus pela liberdade se multiplicavam pelo país na oposição a Jango, um arcebispo mostrar-se amplo e defensor dos pobres era tido como uma blasfêmia pelos conservadores, católicos ou não, que acusavam o presidente João Goulart de querer implantar o comunismo no Brasil.
Em 28 de maio de 1964, dois meses após o golpe, Dom Hélder já demonstrava descontentamento com o cerceamento das liberdades. Em São Luís, numa reunião com outros arcebispos que acabaram soltando uma nota de apoio ao novo regime, ele se contrapôs ao documento mas se calou em obediência à Igreja.
A partir daí passou a ser mal visto pelos militares que sabiam de tudo, até do que acontecia em privativas reuniões de arcebispos das Igreja Católica. Mas, segundo seus amigos mais próximos, Dom Hélder assumiu mesmo a ofensiva contra as violações aos direitos humanos no regime ditatorial quando começaram a ocorrer as prisões de camponeses e a tortura passava a ser frequente nos quartéis.
No Brasil sua voz acabou abafada pelo AI-5 de 1968, que introduziu a censura à imprensa. Os jornais, rádios e TVs eram proibidos de sequer citar o arcebispo. Em 1969 aconteceu a morte do padre Henrique e Dom Hélder passou a ter dificuldades até mesmo de viajar ao exterior, onde concedia entrevistas e falava da falta de liberdade no Brasil.
Não fosse o protagonismo de Dom Hélder, o apoio dado por outros arcebispos aos perseguidos e torturados, e os posicionamentos posteriores da CNBB que levantou sua voz contra o excessos do regime, a Igreja Católica no Brasil corria o risco de passar para a história apenas como uma das organizadoras das marchas da família anteriores à queda de Jango, organizadas por militares ou simpatizantes desses no seio da Igreja.
Como dizia Dom Hélder, o Espírito Santo nos salvou.
*Deputada estadual Terezinha Nunes (PSDB-PE)
* Artigo publicado no Blog de Jamildo – 07-04-2014