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“ESTUPRO: A CULTURA DA VIOLÊNCIA”, por Yeda Crusius

Foto: George Gianni

Foto: George Gianni

Já estão disponíveis os estudos do IPEA:  (1) NOTA TÉCNICA no. 11 março 2014, Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde, por Daniel Cerqueira e Danilo Santa Cruz Coelho (30 págs), a partir do estudo Tolerância social à violência contra as Mulheres, 27 de março de 2014, SISTEMA DE INDICADORES DE PERCEPÇÃO SOCIAL (SIPS)/IPEA, (40 págs).

Não é preciso ler o conteúdo desses dois trabalhos do IPEA, divulgados neste março, com grande repercussão nacional, para se ter a confirmação da percepção social no Brasil sobre a questão específica do estupro.

Desde o século passado se desenvolvem com muita rapidez novas tecnologias ligadas à vida, inclusive às ligadas à reprodução assistida, requerendo com elas a discussão da ética ligada a esses desenvolvimentos. Desde a clonagem da Dolly, passando pelas barrigas de aluguel e pela inseminação artificial, a discussão da ética ligada ao campo da reprodução se profunda, gerando novos direitos e novos deveres que se incorporam ao cotidiano das sociedades. As mudanças, como sempre, andam muito mais rápido que a cultura ligada à área.

Quando em todo o mundo a nova agenda ligada à questão de gêneros vai sendo traduzida em novas leis – casamento entre pessoas de mesmo sexo, adoção de crianças por pessoas solteiras, por gays, dentre tantas outras – a reação vem em intensidade semelhante à profundidade e amplitude dessas mudanças. Assassinato de mulheres por seus ex-companheiros. Estupro de crianças por parentes. Formação de grupos de “encoxadores”. Pornografia pela internet. E a massa de notícias ligadas aos temas se multiplica a cada dia, tudo ao vivo e a cores pelas milhões e milhões de telas de TV presentes em cada sala, em cada lanchonete, em cada celular. O que é isso?

O crescimento da denúncia dos casos de estupro, e suas repercussões, está presente hoje em todo o mundo. Na Índia, por exemplo, houve enorme dificuldade de punir os responsáveis por um estupro coletivo seguido de morte, e ficamos sabendo que a “percepção social” e das autoridades sobre esse tipo de crime é altamente favorável ao criminoso – inclusive por parte dos pais de vítimas. A cultura o assimila, as instituições viram as costas ao seu horror, o tema se impõe. Lembro-me dos relatos do estupro como método nas guerra, relatos apavorantes da técnica de batalhões engravidarem mulheres dos “inimigos” para destruir sua moral. Pois, que guerra vivemos? Nova não é, certamente. Mas deve ser identificada e entendida.

A pesquisa do IPEA aponta que as pessoas querem que a punição à violência aconteça. Mas aponta também que para a maioria a culpa pelo estupro vem da mulher, de suas roupas, de seu comportamento, e esse resultado confunde e choca. Então o que é o crime? Há? Ou de vez em quando há? É como justificar o crime transferindo a culpa para a vítima! Que roupas, que comportamento, que mulher? A filha, a mãe, a vizinha, a moça, a idosa, a companheira, a companheira do outro?

Em boa hora vem o estudo do IPEA. É sobre a mulher que recai mais pesadamente a violência nas sociedades modernas, e com ela vem a violência doméstica sobre as crianças, num processo maluco de reprodução da própria violência. Nos países da velha Europa, a começar por pesquisas que conhecemos da Alemanha, a cultura já é outra há muito tempo. É como a mulher é vista, como ela se considera, como se vê, como é respeitada pelas instituições, judiciário inclusive, que marca a diferença. Dentro de casa, na escola, no respeito das instituições a cada um, a cada uma. O estupro é rejeitado pela cultura dos desenvolvidos.

Mas cultura só muda muito lentamente, e a cultura da posse sobre a outra, ou sobre o outro, confunde-se com nossa sociedade ainda materialista, corrupta, e machista. Até que mude, e isso só vem pela educação universal e continuada, respeitosa, há que termos leis sim, firmes, e instituições valorizadas para aplicá-las. São decisões políticas. Não foi por outro motivo que a Lei Maria da Penha foi aprovada, e vem mudando o convívio nas comunidades e entre as pessoas. Mas é pouco, muito pouco, se não mudarmos o modo com o cidadão e a cidadã se veem em nosso país. Há um infinito a fazer, a começar de ontem.

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