O caso de violência contra a farmacêutica bioquímica ocorreu em 1983 e ganhou repercussão nacional. Apesar da morosidade da Justiça, resultou na principal ferramenta jurídica de defesa das mulheres vítimas de violência. Penha admite que a lei, sozinha, no papel não funciona. “Falta criar políticas públicas, [e investimentos em] delegacias da mulher, centros de referências da mulher, casa abrigo e juizado”, disse Maria da Penha. “Mas não adianta ter a política pública se quem está trabalhando não for sensível e não for capacitado”, acrescentou.
A lentidão do Judiciário foi muito criticada por Maria da Penha. “Eu vi a demora do Poder Judiciário deixando o processo dentro das gavetas e atendendo recursos procrastinadores (impetrados com o objetivo de atrasar o processo)”. Penha lembrou que no primeiro julgamento o marido foi condenado a uma pena de oito anos, mas acabou livre por causa de recursos.
“Nesse momento, eu fiquei muito angustiada. Já era uma conduta do Judiciário garantir a impunidade dos agressores na época”, disse, ao lembrar dos efeitos que a situação causava em sua família. “Precisamos criar nossos filhos em um ambiente saudável, um ambiente sem violência”. “E não adianta ter a política pública se quem está trabalhando não for sensível e não for capacitado. Mudar a cultura é difícil. Tem de haver um olhar público para quem tem a responsabilidade de aplicar e de dar agilidade aos processos”.
Penha considera a divulgação de casos como o dela muito importante. “vou escrever um livro e contar minha história”. O livro vai mostrar que o Poder Judiciário não faz justiça e que as políticas públicas que devem ser criadas para atender a lei não existem”. Ela pretende, também, “mostrar que o gestor público não se sensibiliza em casos que envolvem a violência contra mulheres”. Maria da Penha espera ainda que, com o livro que publicará contando seu caso, as pessoas se conscientizem sobre a importância de fortalecer as políticas públicas que combatam a violência contra a mulher.
Maria da Penha lembrou dos momentos em que foi vítima da violência do ex-marido, que chegou a simular um assalto para esconder da Justiça a agressão que praticara contra ela. “Numa madrugada eu acordei com um forte estampido dentro do quarto, quis me mexer e não consegui. Pensei: o Marco me matou”. Maria da Penha ficou internada por quatro meses, ainda confusa sobre o que havia ocorrido exatamente, até tomar conhecimento de que o ex-marido havia contado uma versão mentirosa às autoridades, de que o tiro havia sido disparado por um dos assaltantes que entraram na casa. Em outra ocasião, lembrou a farmacêutica, ele tentou eletrocutá-la, danificando o chuveiro elétrico. Na época, as filhas do casal tinham 7, 4 e 2 anos de idade.
Ela contou que o ex-marido agredia as crianças com frequência e, que, diante disso, as meninas encararam bem a separação e o fato de a mãe ter denunciado o pai. “Conversei com ele várias vezes sobre nos separarmos. Mas eu não tinha coragem de enfrentar uma separação sem ele querer, pelo medo que eu tinha dele”. Foram necessários quase 20 anos para que o ex-marido fosse condenado pelo crime que cometeu. Ele ficou preso por dez anos e hoje está livre.
(com Agência Brasil)