De início, vale a pena refletir sobre as razões que originaram o voto secreto. Nos processos eleitorais, ele visa garantir a livre manifestação da vontade dos cidadãos, a salvo de quaisquer pressões de poderosos de qualquer natureza que possam comprometer os resultados de eleições.
Nas votações parlamentares, a sua instituição decorreu da tentativa de preservar os representantes da população e dos Estados da Federação de pressões indébitas dos governos, sobretudo do Governo Federal, no sentido da aprovação de matérias de seu interesse.
Mais recentemente, durante o regime militar, o voto secreto teve como objetivo a proteção das decisões de parlamentares contrárias à vontade do Governo, já que aqueles que assim se manifestavam corriam sempre o risco de perda do mandato. Se o Executivo já é poderoso em circunstâncias normais, tinha poder absoluto naqueles dias.
Nessa situação, o voto secreto de parlamentares ainda pode encontrar justificativa, como forma de resistência à opressão, mas ele não é aceitável, a meu ver, nos regimes democráticos plenos. Nessa circunstância, o voto do parlamentar é dado em nome dos eleitores que sufragaram seu nome nas urnas e têm, portanto, o direito de saber como vota o seu representante em cada assunto decidido pelo Parlamento.
Essa é, aliás, a prática nas principais democracias ocidentais, entre elas Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha e os países escandinavos, nas quais o voto secreto se restringe apenas à escolha dos presidentes das casas legislativas. Nas decisões sobre cassações e impugnações de mandatos, o voto aberto prevalece nos parlamentos do Ocidente.
Quero manifestar minha posição, de forma inequívoca, pelo fim do voto secreto no legislativo brasileiro, em todas as esferas de poder, federal, estadual e municipal. Sem o voto aberto não se constrói uma democracia sólida. A História mostra que somente nos momentos em que a cidadania se posicionou de forma decidida, até com risco da própria vida, a democracia avançou verdadeiramente.
Assim foi na Independência americana, que produziu a democracia que assombrou Tocqueville e o fez produzir seu clássico “A Democracia na América”. Assim foi na tomada da Bastilha, quando a Revolução Francesa lançou as sementes da democracia em seu país.
Do mesmo modo que a cidadania precisa se posicionar firmemente em favor de seus interesses, os seus líderes têm que ser capazes de conduzi-la, encabeçando suas causas e negociando em seu nome, o que os credenciará a serem escolhidos nos devidos processos eleitorais como seus representantes.
Sem isso, sem a ousadia e a coragem necessárias às tomadas de posições, não haverá o debate franco das ideias e a política se resumirá a um jogo de interesses subalternos, em que posições cômodas e ambíguas serão sempre possíveis e o eleitor poderá sempre ser enganado, numa subversão total da ideia da representatividade, o que se transforma numa ameaça concreta para a sobrevivência da própria democracia.
Pois bem, a posição agora adotada pelo Congresso não foi, ainda, a posição que queríamos. Mas foi um passo importante na direção da transparência, tão cobrada pela população brasileira.
Lúcia Vânia é senadora (PSDB), Ouvidora Geral do Senado e jornalista.