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“As manifestações, a mídia engajada e o gigante no divã”, por Ana Luiza Archer

Ana Luiza Archer é engenheira
Ana-Luiza-Archer-foto-DivulgacaoSe algum marciano chegasse ao Brasil nesses dias recentes, certamente em pouco tempo perguntaria quem é o tal gigante que acordou. “É aquele que aparece em um anuncio na TV? Aquilo aconteceu mesmo?“, indagaria o crédulo ET. Compreensível. Embora risível e absurda, a pergunta tem contexto – não se passa um dia sem que ouçamos a frase “o gigante acordou”. Portanto, como não suscitaria curiosidade?

Felizmente, essa resposta é fácil: “O tal gigante é uma metáfora para o país que finalmente “acordou” para a realidade e está se manifestando, a exemplo de outros países, com várias reivindicações”. “Como assim?”, perguntaria novamente o ET. Pois é, agora complicou. Ninguém sabe. E a brincadeira acaba, o assunto se torna sério.

O fato é que apesar de várias iniciativas, até agora ninguém apresentou uma análise objetiva e convincente desses acontecimentos. Há mais perguntas do que respostas. Não se sabe o que especialmente deflagrou as manifestações, não se sabe exatamente o que elas demandam, não se sabe quem são e sequer se há lideres e, principalmente, não se sabe como vai acabar isso tudo. Definitivamente, estamos em crise. É preciso administrar o desconhecido. O gigante precisa de um divã.

Ainda que alguns estejam angustiados com os desdobramentos dessa situação, outros estão eufóricos só pelo fato dos brasileiros terem saído da apatia política. O que vemos são sentimentos polarizados, desconfianças e paixões exacerbadas e acontecimentos que sofrem reviravoltas de uma hora para outra. O pensamento tem andado febril.

Em busca de um diagnóstico inicial, alguns aspectos têm chamado a atenção e merecem uma investigação mais racional. Dependendo do dia, e não necessariamente nesta ordem, as perguntas chave são: quem são os manifestantes? Quem são os Black Blocs? Por que alguns agem como vândalos? Isso é ato político? E a policia, está provocando ou reagindo? As manifestações são partidarizadas, ou não? A mídia alternativa tem credibilidade? E o que nos diz a imprensa?

Há pouco mais um mês, poucas pessoas haviam ouvido falar na Mídia Ninja, um grupo que traz mais um ponto de vista dos acontecimentos. Ótimo. De novidade, indiscutivelmente, eles trazem a tecnologia de transmissão de imagens a partir das ruas em tempo real. Mas daí a se tornarem paradigma do bom jornalismo, há uma distancia abissal. No entanto, nestes últimos dias, a moda tem sido “endeusar” a mídia alternativa, notadamente a Mídia Ninja, e atacar a mídia profissional. Agora eu é que pergunto: Como assim?

Talvez devido a nossa democracia ainda juvenil, ou sabe-se lá o porquê, o brasileiro é um povo crédulo. Acredita, ou quer acreditar, em qualquer coisa. Nem Freud explica. Bastou um grupo de jovens supostos repórteres da Midia Ninja cobrindo algumas manifestações “espetaculosas”, com um discurso simpático e até messiânico de quem se propõe a nos desvendar toda a verdade, “ao contrario da imprensa profissional e a um custo 0800”, para grande parte da população cair de amores. ”São fofos”. No entanto, usando uma boa lupa percebemos que na verdade, há um custo “oculto” nisso: eles fazem jornalismo engajado. E o que é jornalismo engajado? Ora, simplesmente militância política, pseudo jornalismo.

Nada de novo, pois, já houve épocas em que o jornalismo profissional era escancaradamente engajado. Mas isso é jornalismo de qualidade? Segundo Gay Talese, o papa do jornalismo americano, não. Em uma entrevista há cerca de quatro anos no Brasil, na ocasião da Flip, ele fez uma autocritica como jornalista a respeito das recentes guerras: disse que depois do atentado de 11 de setembro a população nos EUA ficou muito traumatizada e especialmente mais patriótica, inclusive os jornalistas e a imprensa americana em geral. Todos, sem exceção, se engajaram prontamente na Guerra do Iraque proposta pelo presidente George Bush. O jornalismo havia perdido o senso critico, e foi um desastre. Deu no que deu.

Desde que honesta, toda forma de mídia é bem-vinda e soma. Mas quanto menos engajado o jornalismo, melhor. Nossa imprensa não é perfeita e pode melhorar muito. Rigor é necessário. Mas nada justifica que para se legitimar um projeto de jornalismo engajado, o jornalismo profissional seja atacado e desqualificado.

Vivemos tempos muito ricos em aprendizados. E aguardamos os próximos questionamentos e os desdobramentos do momento. Desde já fica, portanto, mais uma pergunta para o divã: a quem interessa a desmoralização da nossa imprensa?

 

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