Artigo da economista Elena Landau, presidente do ITV-RJ
Um legado sem preço. Aqueles que viveram toda uma vida vendo seus rendimentos corroídos pelo imposto mais regressivo que há têm a exata noção do antes e depois, e temem, com razão, a volta do dragão. Estão atentos e alertas para os sinais de elevação de preços de forma sistemática.
A nova geração, a dos sem inflação, talvez não tenha a correta medida da importância da vitória sobre a hiperinflação. Ouvem falar dela nos livros de história econômica. Deve ser difícil imaginar uma inflação mensal de 50% como a registrada nas vésperas do Plano Real.
Não ter vivenciado o trauma da corrosão de sua renda é um enorme privilégio. Mas a ausência do trauma não deve abrir espaço para diminuir a importância de uma economia com preços estáveis e, muito menos, criar a sensação de que um pouco mais de inflação não faz mal a ninguém. Ou ainda, que o governo pode controlar sua elevação na hora que bem entender.
Apesar de termos um governo composto pela geração que sofreu todas as dores da hiperinflação, a leniência com que vem lidando com sinais inequívocos de um aumento sistemático de preços é muito preocupante.
Nesse momento é importante lembrar que o Plano Real, ainda que anunciado através de uma MP no dia 30 de junho de 1994, não foi construído da noite para o dia. Ao contrário, sua elegância vem de um programa de substituição da moeda fraca pela moeda forte anunciado previamente, permitindo a compreensão e a adesão da sociedade brasileira ao processo de substituição da moeda, que ocorreu sem traumas.
Mas muito antes da introdução da URV, mecanismo que permitiu a eliminação da moeda velha, uma série de reformas preparou o país para uma nova etapa de estabilização para, junto com a introdução do Real, não se apelar como tantas vezes antes ao congelamento de preços. Congelamentos que geravam apenas efeitos no curtíssimo e que nunca funcionaram.
O plano era o de introduzir uma nova moeda, após a antiga ser corroída por sua própria hiperinflação, junto com sólidos fundamentos macroeconômicos, sendo talvez o principal deles uma política fiscal coerente e transparente, que permaneceu em prática durante todo governo FHC.
Era fundamental interromper um fluxo, sem controle, de recursos fiscais que, na maioria das vezes, numa política de balcão muito parecida com atual, atendia apenas aqueles próximos do poder.
Tesouros estaduais foram proibidos de financiar seus próprios bancos, fez-se a desvinculação de receitas no Orçamento da União (permitindo mais flexibilidade para a decisão de investimentos públicos), e por fim, foi promulgada a Lei de Responsabilidade Fiscal, entre outras.
Pode parecer hoje fácil reduzir a inflação. Mas não é. Exige, além da criatividade de um grupo de economistas que passou toda uma vida acadêmica a estudar o fenômeno da hiperinflação e seu fim – ao qual tenho enorme orgulho de ter pertencido – , determinação política para enfrentar as mazelas geradas por uma prática clientelista de governar, que acha que o Estado pode gerar recursos sem custos e que um pouquinho mais de inflação não custa nada.
Infelizmente o que se observa nos anos recentes é a volta um a um dos erros do passado. Escolha de grupos a serem beneficiados com desonerações e incentivos fiscais; fechamento da economia; controle de preços; uso de recursos do Tesouro a margem do orçamento, ressuscitando a antiga conta movimento, sendo agora para o BNDES; aumento de gastos correntes; gigantismo da máquina estatal; intervencionismo do governo nas empresas públicas; mudanças constantes nas regras para as concessões públicas e enfraquecimento da regulação, são exemplos dos erros atuais.
O resultado não poderia ser outro: uma economia sem vitalidade e de baixa produtividade, combinada com a acomodação do governo em manter a inflação no topo da meta, utilizando para isso o velho mecanismo da administração de preços.
Junte-se a esses fenômenos extremamente preocupantes a falta e transparência no uso de recursos públicos, fraca capacidade de gestão da máquina federal e uma baixa taxa de investimentos que mostram a dificuldade de uma retomada sustentada do crescimento.
Por isso, nesse momento de celebração de um programa que criou as bases para a ampliação de programas que reduziram a pobreza no Brasil, é fundamental lembrar que a inflação é o mais perverso dos impostos. E que para manter os benefícios dos programas sociais e avançar na qualidade de vida da população não se pode brincar com a inflação.