Solange Jurema
Toca o celular. Eu atendo. Alguém diz que é da Presidência da República e que o presidente Fernando Henrique queria falar comigo. Quase desligo o telefone, afinal era 1º de abril e achei que se tratava de um trote, em péssima hora , mas aguardei para ver quem era o engraçadinho. Reconheci a voz do presidente e levei o maior susto. Ele, com a simpatia e gentileza que lhe são peculiares, comunicava que _ conforme tinha anunciado em 8 de março, Dia Internacional da mulher _ estava criando a Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher e me convidou para assumir a pasta. Detalhe: gostaria que eu estivesse em Brasília no dia seguinte porque pretendia anunciar o meu nome junto com os outros ministros que iriam substituir os que tinham se desincompatibilizado para ser candidatos.
Eu mal podia acreditar, finalmente tínhamos conseguido ver atendida uma reivindicação antiga das mulheres brasileiras. Será que eu tinha entendido bem? Ele estava me convidando para ser ministra? E claro que isso me deixava honrada, emocionada e até envaidecida. Na verdade, eu nunca tinha me imaginado ministra , sempre achei algo distante, inacessível. Em segundos minha cabeça viajou por todo um caminho percorrido, por todas as lutas compartilhadas , mas e agora, eu queria muito aceitar o convite , mas jamais poderia deixar minha filha neste momento tão importante para ela.
Quantas mulheres passam todos os dias por esse dilema? Ter que escolher entre uma demanda profissional importante e um acontecimento familiar não menos importante. A minha escolha era entre um ministério e um neto, mas todos os dia as mulheres se dividem entre uma febre do filho e uma reunião inadiável , ou a falta de uma babá logo naquele dia que você não poderia faltar porque tem uma audiência que pode colocar seu emprego em jogo, tantas e tantas escolhas difíceis.
Resolvi ser sincera, um pouco sem graça , mas absolutamente segura da minha escolha: “Presidente fico felicíssima com a sua decisão , a criação dessa secretaria muda a história das mulheres brasileiras, e me sinto muito honrada com a sua confiança, mas não posso ir para Brasília esta semana. Minha filha acabou de ter seu primeiro filho e não posso deixá-la nesse momento. Eu deixo o senhor à vontade e vou entender perfeitamente se quiser convidar outra pessoa que possa estar em Brasília amanhã”. O presidente riu e respondeu: “Não tem importância Solange, afinal é uma questão de gênero. Eu anuncio seu nome e você vem quando puder”.
Decorridos 11 anos da criação do Ministério da Mulher, hoje Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, ainda me pergunto como teria reagido um homem ao ser convidado para ser ministro. Teria tido coragem de dizer que o nascimento de um neto é mais importante do que qualquer ministério? Por outro lado como reagiria o presidente, se fosse um homem e não uma mulher que lhe dissesse isso? Ou ainda outro presidente, que não fosse casado com dona Ruth Cardoso e, consequentemente, sensibilizado para as diferenças de gênero, como reagiria? Não sei. O importante é que a história se constrói com as estórias. Por isso achei importante contar esse episódio.
*Segunda vice-presidente do Secretaria Nacional do PSDB Mulher